A poesia é um jogo de sons. É, não só o resultado da conjugação de um vasto conjunto de melodias particulares, mas também e principalmente o resultado de um jogo de silêncios.
O silêncio- e este facto tem vindo a tomar progressivamente decisiva importância ao longo do caminho de ‘evolução’ poética- faz significar por si. Isto é, em grande medida é o silêncio o transportador de uma estética, assumindo-se ainda como delimitador das palavras (criador de sentidos particulares), ao envolvê-las impedindo que se conectem visualmente, e como elemento, em si, fornecedor de abrangentes sentidos para o poema, na medida em que a translineação pode influenciar o próprio significado textual.
De resto, o facto de a poesia ser escrita sob a forma de verso só vem provar essa mesma realidade: a quebra do verso não é mais que a irrupção de um mais ou menos súbito período silencioso. Num plano mais geral e abrangente da forma do poema, a divisão em estrofes (o espaço silencioso que existe entre duas manchas de versos) vem reforçar, mais uma vez, essa mesma ideia.
A poesia é um jogo de silêncios. Não é por acaso que faz sentido declamar poesia- repare-se como a ‘leitura de poemas’ (declamação) tem um nome particular para a especificar-; nem é por acaso que essa leitura deve ser uma leitura pausada, onde se “lêem” sempre os silêncios que habitam entre as palavras, os que surgem no final dos versos e os que são divisão-ligação entre as estrofes (tal como o
hífen liga separando).
Em «Message Clear», poema concreto de Edwin Morgan, encontramos um exemplo exacerbado e não convencional dessa extrema importância do silêncio de que falamos.
Remetendo a mancha do poema para uma forma que não é do tipo a que estamos habituados, num primeiro impacto o poema de Morgan parece-nos um texto fragmentado, cópia imperfeita de um outro texto matriz. Porém, quando nos lançamos na leitura dos signos que constam no dito poema, apercebemo-nos de que aqueles signos significam por si. Não obstante, não deixam de ser, de facto, fragmentos; as palavras criadas são, pois, como que “retiradas” letra a letra de uma frase-matriz que se apresenta completa no fim do poema, ostentando a seguinte citação bíblica «i am the resurrection and the life».
Embora a leitura de «Message Clear» não seja uma leitura convencional, acaba por ironicamente- e, aparentemente, de forma paradoxal- ser exemplo radical das características formais e informais do processo de leitura.
Em primeiro lugar, a fase que podemos denominar por fase de leitura formal de um escrito implica a básica junção de letras como forma de formular palavras e a junção de palavras como forma de criar frases, versos ou ‘frases-versadas’ (frases constantes em versos poéticos). Nisso, o presente poema de Morgan é exemplo radical, pois obriga o seu leitor a reaprender esse processo, ao povoar os versos de excedentários espaços em branco: (silêncios).
Em segundo lugar, a fase de leitura a que aqui chamo leitura informal de um poema implica a tarefa de raciocínio e significação pessoais sobre as construções assimiladas. Esta leitura remete para os capítulos semântico, semiótico e pragmático.
O poema de Edwin Morgan difere neste aspecto da grande maioria dos textos convencionais por deter uma possível maior base de significação, marcada pela polissemia e ambiguidade intrínseca dos seus signos.
Depois, existem ainda os silêncios- apenas visuais, passe a desapropriada incongruência- de que falamos. Existe esse uso abundante que serve plenamente como exemplo demonstrativo de que a linguagem é o convencionado resultado de uma complexa conjugação lógico-matemática de grafemas/fonemas.