quinta-feira, maio 10, 2007

Interpretação

Podemos distinguir três tipos de interpretação: a interpretação como procura do sentido de uma frase ou qualquer gesto simbólico, a interpretação como tradução de um discurso noutro (daí os intérpretes profissionais) ou ainda como execução pessoal e única de uma obra. Este último caso é especialmente manifesto no caso do intérprete de uma peça musical composta previamente por outra pessoa, mas aplica-se também à leitura, tanto à leitura no sofá como à declamação pública. isto relativamente à literatura, por ser a polissemia uma das suas características. É que a riqueza de um texto poético (e aqui poético diz respeito também à boa literatura em prosa) está na sua capacidade sugestiva e na possibilidade de um leitor ser mais ou menos arguto e penetrar mais ou menos no mistério que é o desvendamento dos seres, do mundo e das palavras na poesia.
Em grego antigo "interpretação" dizia-se "hermeneia", palavra que deriva do deus Hermes. Hermes era pois aquele deus alado e queriducho que era não só o mensageiro dos deuses como também do comércio e até o protector dos ladrões. Portanto, e em interpretações um pouco livres, a ideia de linguagem como comércio, troca, apropriação, ou mesmo roubo, ludibriamento. Falar é dizer a outrem, interpretar é tentar dizer ou escutar através das e nas armadilhas pouco óbvias da linguagem, é possibilidade também de manipular ou distorcer.
Outro aspecto: o hermeneuta era o interpréte dos discursos da Pítia no oráculo de Delfos. A Pítia era no fundo uma funcionária sacerdotal, uma mulher sagrada, divinamente inspirada, que entrava em transes dos quais pronunciava frases enigmáticas ou mesmo sons desconexos. Esses sons ou palavras eram considerados as palavras do deus Apolo. Os hermeneutas constituiam uma classe sacerdotal que se encarregava de tornar claro o que queria dizer o discurso do oráculo através da boca da Pítia, tornando possível entregar uma resposta mais ou menos clara às pessoas que acorriam ao santuário para pedir ajuda ao deus.