Sobre LMED
Dedicado às minhas alunas e aos meus alunos
A disciplina Literatura e Média na Era Digital foi criada em 2005-2006 com o objectivo de dar a conhecer e reflectir sobre a produção de literatura no meio digital. Temos procurado observar quer a recodificação electrónica de objectos oriundos do meio impresso, quer objectos originariamente electrónicos, isto é, produzidos com recurso às materialidades intermédia e hipermédia de aplicações informáticas e de plataformas específicas. Muitas obras digitais constituem extensões de formas da arte processual ao interrogarem a materialidade particular das suas formas linguísticas e técnicas de mediação.
A reflexão sobre processos e tecnologias de mediação tem sido feita a partir da análise de um conjunto de obras electrónicas seleccionadas, em vários géneros, que incluem poesia cinética e hipermédia, hiperficção e ficção interactiva, performance e teatro digital, geração automática de texto, literatura de código («codework»), etc. Procurámos clarificar os diferentes modos e graus de intervenção dos leitores nas obras semi-determinadas, em objectos digitais e pré-digitais, tentando compreender o alcance do conceito de literatura ergódica proposto por Espen Aarseth. Procurámos ainda compreender a ecologia das tecnologias de mediação, nas suas relações sincrónicas e diacrónicas, através do conceito de remediação proposto por Jay David Bolter e Richard Grusin.
Deste modo foi possível pôr em causa certas dicotomias entre o impresso e o digital e clarificar as complexas operações de codificação realizadas através da espacialização da escrita. A recriação digital de formas visuais (como as que caracterizam os poemas constelados) revela, por vezes, a pluridimensionalidade da inscrição que ocorre na página impressa. A recriação de poemas experimentais realizada pelos autores do arquivo PO-EX, ou a reescrita digital dos seus próprios poemas concretos realizada por Augusto de Campos constituem exemplos da dialéctica entre o código impresso e o código electrónico nas operações de escrita e de leitura. Por isso o computador tem sido conceptualizado como uma tecnologia de inscrição que alarga e reconfigura o espaço da escrita, prosseguindo o processo de abstracção e replicação permutativa que é inerente ao código alfabético.
Bruno Santos, captura de ecrã de «Pormenor da Casa» (Maio 2007).
Márcia Rocha, captura de ecrã de «Visão e Poesia» (Maio 2007).
Camilo Soldado, captura de ecrã de «Disorder» (Dezembro 2008).
Pedro Pinto, captura de ecrã de «Quando os pássaros morrem» (Dezembro 2008).
Aquela reflexão sobre as possibilidades do meio digital prolongou-se na dimensão pedagógica do trabalho de comunicação em contexto escolar. A escrita directamente motivada pelas obras vistas e analisadas tornou-se num dos instrumentos de aprendizagem centrais da disciplina. A complexidade de algumas obras e conceitos pôde ser tentativamente explorada por cada participante na disciplina, beneficiando da reflexão dos restantes. Torna-se assim possível ver melhor o que somos capazes de pensar e de escrever. Ao dar testemunho da ligação da cognição às representações de que dispomos para conhecer torna-se mais claro o acto de transformar as representações no esforço para conhecermos.
Márcia Rocha, captura de ecrã de «Visão e Poesia» (Maio 2007).
A socialização da escrita e da publicação que o blogue constitui torna possível aumentar o grau de apropriação das múltiplas linguagens com que a cultura digital nos interpela. Aumentar a consciência da escrita e das representações enquanto mediadoras dos actos cognitivos poderia ser, porventura, a justificação pedagógica para a prática que esta experiência de escrita representa. Trata-se, no fundo, de tentar responder às perguntas fundamentais num contexto de aprendizagem: como comunicar melhor? como aumentar, para cada indivíduo, a autoconsciência do acto de construção do seu próprio conhecimento?
Camilo Soldado, captura de ecrã de «Disorder» (Dezembro 2008).
A realização de um projecto de uma obra digital procura ligar o acto de pensar e o acto de fazer como formas adicionais de desenvolver a literacia digital, isto é, a capacidade de ler, escrever e pensar com os instrumentos digitais. Enquanto prática de aprendizagem representa também a valorização da dimensão performativa do conhecimento. E é esse grau de envolvimento no próprio acto cognitivo que torna possível intensificar a consciência dos processos materais de produção de sentido.
Pedro Pinto, captura de ecrã de «Quando os pássaros morrem» (Dezembro 2008).
Nos últimos três anos, Literatura e Média na Era Digital tomou forma não apenas como um corpo de conteúdos, mas também como um conjunto de métodos de ensino e de aprendizagem que são parte do seu próprio conteúdo. É nessa consciência da sua mediação disciplinar - enquanto mediação simultaneamente teórica e escolar - que a mediação digital e literária se tornou pensável, escrevível e legível. Nesta tentativa particular de ampliar para o espaço electrónico o espaço das interacções no espaço da aula está a tentativa de responder a outra questão: é possível ensinar de outro modo? aprender de outro modo?