sábado, dezembro 20, 2008

Sobre LMED

Dedicado às minhas alunas e aos meus alunos

Ana Mónica, captura de ecrã de «cortado em flores» (Maio 2006).

A disciplina Literatura e Média na Era Digital foi criada em 2005-2006 com o objectivo de dar a conhecer e reflectir sobre a produção de literatura no meio digital. Temos procurado observar quer a recodificação electrónica de objectos oriundos do meio impresso, quer objectos originariamente electrónicos, isto é, produzidos com recurso às materialidades intermédia e hipermédia de aplicações informáticas e de plataformas específicas. Muitas obras digitais constituem extensões de formas da arte processual ao interrogarem a materialidade particular das suas formas linguísticas e técnicas de mediação.


Luísa Cantante, captura de ecrã de «The Raven» (Maio 2006).

A reflexão sobre processos e tecnologias de mediação tem sido feita a partir da análise de um conjunto de obras electrónicas seleccionadas, em vários géneros, que incluem poesia cinética e hipermédia, hiperficção e ficção interactiva, performance e teatro digital, geração automática de texto, literatura de código («codework»), etc. Procurámos clarificar os diferentes modos e graus de intervenção dos leitores nas obras semi-determinadas, em objectos digitais e pré-digitais, tentando compreender o alcance do conceito de literatura ergódica proposto por Espen Aarseth. Procurámos ainda compreender a ecologia das tecnologias de mediação, nas suas relações sincrónicas e diacrónicas, através do conceito de remediação proposto por Jay David Bolter e Richard Grusin.


Vera Ribeiro Jorge, captura de ecrã de «Flying: Enjoy (the) Stealing Silence» (Junho 2006).

Deste modo foi possível pôr em causa certas dicotomias entre o impresso e o digital e clarificar as complexas operações de codificação realizadas através da espacialização da escrita. A recriação digital de formas visuais (como as que caracterizam os poemas constelados) revela, por vezes, a pluridimensionalidade da inscrição que ocorre na página impressa. A recriação de poemas experimentais realizada pelos autores do arquivo PO-EX, ou a reescrita digital dos seus próprios poemas concretos realizada por Augusto de Campos constituem exemplos da dialéctica entre o código impresso e o código electrónico nas operações de escrita e de leitura. Por isso o computador tem sido conceptualizado como uma tecnologia de inscrição que alarga e reconfigura o espaço da escrita, prosseguindo o processo de abstracção e replicação permutativa que é inerente ao código alfabético.


Bruno Santos, captura de ecrã de «Pormenor da Casa» (Maio 2007).

Aquela reflexão sobre as possibilidades do meio digital prolongou-se na dimensão pedagógica do trabalho de comunicação em contexto escolar. A escrita directamente motivada pelas obras vistas e analisadas tornou-se num dos instrumentos de aprendizagem centrais da disciplina. A complexidade de algumas obras e conceitos pôde ser tentativamente explorada por cada participante na disciplina, beneficiando da reflexão dos restantes. Torna-se assim possível ver melhor o que somos capazes de pensar e de escrever. Ao dar testemunho da ligação da cognição às representações de que dispomos para conhecer torna-se mais claro o acto de transformar as representações no esforço para conhecermos.


Márcia Rocha, captura de ecrã de «Visão e Poesia» (Maio 2007).

A socialização da escrita e da publicação que o blogue constitui torna possível aumentar o grau de apropriação das múltiplas linguagens com que a cultura digital nos interpela. Aumentar a consciência da escrita e das representações enquanto mediadoras dos actos cognitivos poderia ser, porventura, a justificação pedagógica para a prática que esta experiência de escrita representa. Trata-se, no fundo, de tentar responder às perguntas fundamentais num contexto de aprendizagem: como comunicar melhor? como aumentar, para cada indivíduo, a autoconsciência do acto de construção do seu próprio conhecimento?


Camilo Soldado, captura de ecrã de «Disorder» (Dezembro 2008).

A realização de um projecto de uma obra digital procura ligar o acto de pensar e o acto de fazer como formas adicionais de desenvolver a literacia digital, isto é, a capacidade de ler, escrever e pensar com os instrumentos digitais. Enquanto prática de aprendizagem representa também a valorização da dimensão performativa do conhecimento. E é esse grau de envolvimento no próprio acto cognitivo que torna possível intensificar a consciência dos processos materais de produção de sentido.


Pedro Pinto, captura de ecrã de «Quando os pássaros morrem» (Dezembro 2008).

Nos últimos três anos, Literatura e Média na Era Digital tomou forma não apenas como um corpo de conteúdos, mas também como um conjunto de métodos de ensino e de aprendizagem que são parte do seu próprio conteúdo. É nessa consciência da sua mediação disciplinar - enquanto mediação simultaneamente teórica e escolar - que a mediação digital e literária se tornou pensável, escrevível e legível. Nesta tentativa particular de ampliar para o espaço electrónico o espaço das interacções no espaço da aula está a tentativa de responder a outra questão: é possível ensinar de outro modo? aprender de outro modo?