A escrita como arte
Bartolomé Ferrando demonstra através das escrituras superpuestas a beleza oculta da caligrafia. Numa das suas obras, sob um fundo cinzento sobressaem os contornos marcados pela tinta dourada, como um enlace entre prata e ouro.
Vislumbram-se palavras no emaranhado dos veios de tinta, mas é necessária alguma preserverança e múltiplos artifícios do olhar para encontrar o poema escondido à vista desarmada. As letras interligam-se e, como o nome do conjunto de obras indica, a escrita sobrepõe-se, quase como se escrevêssemos uma frase sem qualquer espaço entre as palavras.
Sangre aerea arterias incoloras sobre un libro de paginas de luz
Parece uma frase enigmática. Talvez seja uma metáfora para uma leitura pulsante, o livro como motor da vida, uma escrita divina. A estória que ganha corpo e alma através de cada linha escrita: a tinta corre e forma as letras, palavras, frases, linhas... como o sangue flui pelas arterias. Em poucas palavras a escrita consegue materializar-se nalgo sobrenatural e mágico, mesmo que o léxico inclua termos mais carnais e, portanto, associados ao mundo do real.
São múltiplos os sentidos que se podem procurar (e percorrer) enquanto se observa esta obra de Bartolomé Ferrando e várias as questões que podem surgir: porquê o uso específico das duas cores associadas a metais nobres, qual o significado (se é que o tem) daquela pincelada mínima a cinza/prateado no fundo da página, o que será que o autor quis realmente dizer, haverá outra palavra oculta que dê um contexto completamente diferente à frase?
Contudo, o mais admirável é o facto de Bartolomé Ferrando conseguir transformar de modo tão simples (e simultaneamente complexo) a contemplação de uma pintura no acto de leitura e levar o “leitor” (em mais do que um sentido) a ler como se estivesse a observar um quadro. As duas artes fundiram-se harmoniosamente provando que a caligrafia não serve só para revelar a personalidade do escritor ou para embelezar uma página: é também um mundo secreto, um código com significados ocultos que pode surpreender o mais desprevenido dos leitores.