quarta-feira, dezembro 10, 2008

Clarice Lispector, Amor.

Na narrativa de Clarice Lispector prevalecia a existência de uma mulher comum de seu nome Ana ,que era casada, mãe de filhos. A sua vida era normal, "os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos."
A vida de Ana era rotineira e feliz em seu apartamento no nono andar, costurava para os meninos, recebia o seu marido de volta em casa todas as tardes e os movéis empoeirados todas as manhãs "como se voltassem arrependidos". Um dia, foi às compras e, depois, cansada, subiu no bonde para voltar à casa. Recostou-se no banco, procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. Revê a sua vida: plácida, sem tempestades, tudo no lugar. Com o saco de tricô que ela mesma tecera ao colo, cheio de ovos frescos, Ana é apenas uma mulher que vai às compras. Mas vê, com o bonde parado, um cego que, indagando, no escuro de si mesmo, com as suas mãos estendidas para a frente, sorri.
Por fim, Ana tem como realização,a revelação da sua vida. Descontrolada emocionalmente, perde o ponto onde deveria descer. Desce no Jardim Botânico e lá permanece, com a alma em estado de sobrelevação, por toda a tarde, até que anoiteça e se veja sozinha. Grita para que abram o portão e arfante chega à casa, onde faz um jantar às pressas para a família. Durante o jantar, não presta atenção a nada, a vida está modificada, o homem mascando chiclete, a cegueira e a vida, a certeza de que a humanidade sofre. Aperta o filho a ponto de assustá-lo e, quando todos se vão, diante do espelho, ouve o fogão dar um estouro. Era um defeito do fogão, mas que a traz de volta para a vida quotidiana. Abraça o marido, diz que não quer que ele sofra (ela mesma estava sofrendo por ter descoberto o mundo). Ele ri,e ela, antes de dormir, sopra a flama do dia.