Amor de Clarice (aulas anteriores)
O texto hipermédia de Rui Torres tem como fonte de inspiração o conto de Clarice Lispector, "Amor". O poema original surgiu nos anos 60 e tem como principal tema a abordar, os conflitos psicológicos e as crises existênciais que, por vezes, nos deparamos ao longo da nossa vida. De certa forma, a autora procurou traduzir com dramatismo e uma riqueza metamorfósica, a crueldade do Mundo em que vivemos, onde imperam vários sentimentos que atormentam o ser humano diariamente. No fundo, podemos considerar "Amor" como um espelho e um foco de reflexão acerca do Mundo em que todos nós vivemos.
Este poema conta-nos a história de uma mulher profundamente abatida pela vida que levava marcada,essencialmente, pelo seu carácter rotineiro e inútil. Um dia, Ana resolveu trocar essa angústia que vivia por um estado de conformação com a vida que levava, uma vida de adulta que ela própria tinha obrigação de suportar, considerando que podia sobreviver sem qualquer tipo de felicidade.
Acompanhada pelas suas tarefas domésticas e pelo cuidado que dedicava aos seus filhos, Ana não esperava mais nada da vida, considerando-a preenchida, sendo uma espécie de compilação entre a tranquilidade e a estabilidade.
No entanto, um dia depara-se como um cego na rua a mascar uma chiclete. Esse momento revela-se como um foco desencadeador de uma incessante vontade de viver e atribuir algum sentido à sua vida. Era o amor que ali renasceria. Podemos concluir, então, que Ana ao conter os seus impulsos abdicou de grandes paixões para alcançar o que denominava "vida verdadeira".
Numa abordagem digital da mesma obra, Rui Torres transmite perfeitamente esta mesma ideia de sofrimento e infelicidade.
O poema está dividido em duas séries com vinte e seis partes cada. Existe, também, uma enorme liberdade concedida ao leitor, já que pode arrastar e formar variadíssimos conjuntos de versos mudando, no fundo, a própria concepção do poema em questão.
As grandes letras vermelhas transmitem todos os sentimentos, todas as incertezas emocionais e toda a tranquilidade indesejada, vividos pela personagem, explicados pelo rompimento de dias verdadeiramente monótonos que levava, tendo como principal característica, a existência de uma imaginária felicidade e uma disposição para concordar com tudo aquilo que a vida lhe foi oferecendo.
Analisando este poema, podemos verificar que o tema abordado nunca será ultrapassado, existindo muitas "Anas" no Mundo em que vivemos. Por vezes, este facto pode explicar-se pela forma como a sociedade molda as suas mentalidades baseadas na aparência e no desejo de aproximação da perfeição e de uma imagem que agrade aos "espectadores".
O próprio som que acompanha a escrita transmite um sentimento de tranquilidade e, ao mesmo tempo, de angústia. A existência de inúmeras possibilidades na formação do léxico de Clarice Lispector no meio digital, pode considerar-se, na minha perspectiva, como uma presença de variadíssimas possibilidades de caminhos a percorrer ao longo da nossa vida. Isto não quer dizer que optamos sempre pelo melhor caminho mas são estas situações que nos ajudam a voltar a optar, deixando, em nós, marcas de amadurecimento.
Esta nova concepção da obra de Clarice Lispector, na minha opinião, está algo fora do normal, porque Rui Torres conseguiu, na íntegra, transvasar todo o sentimento adquirido pela personagem, na obra original, para suporte digital, tornando-o muito interessante e, sem dúvida muito mais interactiv. Possibilita uma participação activa e interessada do leitor que, à medida que vai aprofundando o seu conhecimento acerca deste projecto, os sentimentos de aproximação e identificação, vão ganhar, cada vez mais, sentido.