Técnicas de escrita automáticas
A escrita pode ser, nalguns casos, altamente automatizada. Os processos automáticos podem ser utilizados com intuitos estéticos, ou seja, para fazer arte, embora não em todos os casos. Tudo depende afinal do que se pretende fazer. Em todos os casos será sempre um recurso ao dispor do criador literário, portanto, uma técnica, embora, nalguns casos, uma técnica desadequada.
O uso de processos automáticos pode sugerir combinações de sentido nunca sugeríveis ou dificilmente sugeríveis pela nossa lógica e assim criar-nos o prazer da surpresa. Essa é pelo menos a forma como encaro a utilidade dos programas geradores de texto que trabalham com algoritmos num maior ou menor grau de aleatoriedade na combinação de segmentos linguísticos. Há uns anos descobri um gerador de insultos automáticos na net que me dava "pérolas" como «tens a cara como uma bola de ténis mal barbeada», e a partir dessas frases construí uma estória bastante absurda. Limando umas arestas, poderia ter sido uma boa história, não foi, mas podia ter sido. O que o programa fez foi sugerir-me associações imprevistas de ideias que eu, com limitado bom-senso, reorganizei. Claro que a comicidade das frases do programa que utilizei já estavam previstas e foram procuradas pelos criadores do programa: a máquina é criativa só dentro dos parâmetros em que foi programada. Tentar dotá-la de uma criatividade espontânea capaz de se metamorfosear, isso já levantaria uma série incrível de problemas que dizem respeito à investigação da inteligência artificial.
Todavia ao ler os meus poetas ou filósofos preferidos o meu sentimento é bastante diferente: a experiência é de a realidade me estar a ser dada a conhecer de um modo novo. O texto traz sinais através dos quais eu consigo chegar a novas formas de olhar, pensar e sentir o real (pelo menos eu penso que é o real) que me fazem sentir mais rico. Há uma aprendizagem que em último grau é sobre o sentido da vida, e textos assim não creio que uma máquina os possa criar. Isto porque a minha apreensão do seu sentido está muito ligada à semelhança da estrutura da minha sensibilidade com a do autor: o facto de termos ambos carne, sangue, ossos, sexo, razão, sentimentos, em suma, o facto de sermos humanos, faz com que eu me reconheça no modo de experienciar que o texto revela e determina que o que lá está escrito é relevante para mim.
Há pois, julgo, limites para o uso criativo dos processos automáticos. A reflexão sobre as possibilidades combinatórias da linguagem é uma reflexão puramente formal sobre as potencialidades das estruturas linguísticas que termina a partir do momento que o agente criador determina uma intenção que está subjacente ao texto. Se a intenção do texto for apenas jogar ludicamente com as possibilidades combinatórias, então o texto produzido pela máquina pode ser indiferenciável do humano, mas eu lerei de um modo diferente um texto (idealmente idèntico) caso ele tenha sido produzido por um humano ou uma máquina. No caso de um bom texto automático, eu admirar-me-ei antes de mais com o engenho humano que o tornou possível.
A abordagem à literatura como um conjunto de formas passíveis de serem combinadas e recombinadas chama-nos a atenção precisamente para as técnicas que podem ser utilizadas na criação literária, e para as regras que estão ímplícitas nessa prática. Tais técnicas e regras passam por um conhecimento das estruturas gramaticais da linguagem que nos permite a construção de máquinas poéticas. Todavia essas máquinas, exceptuando a possibilidade de uma inteligência artificial muito avançada (hipótese que extravasa e muito a teoria literária), a partir do momento em que é terminada a sua programação perdem a capacidade de descobrir novas regras, seja, novas formas de composição estética, ou, no limite, uma nova forma inovadora de ordenar sintacticamente a produção de sentido.
O uso de processos automáticos pode sugerir combinações de sentido nunca sugeríveis ou dificilmente sugeríveis pela nossa lógica e assim criar-nos o prazer da surpresa. Essa é pelo menos a forma como encaro a utilidade dos programas geradores de texto que trabalham com algoritmos num maior ou menor grau de aleatoriedade na combinação de segmentos linguísticos. Há uns anos descobri um gerador de insultos automáticos na net que me dava "pérolas" como «tens a cara como uma bola de ténis mal barbeada», e a partir dessas frases construí uma estória bastante absurda. Limando umas arestas, poderia ter sido uma boa história, não foi, mas podia ter sido. O que o programa fez foi sugerir-me associações imprevistas de ideias que eu, com limitado bom-senso, reorganizei. Claro que a comicidade das frases do programa que utilizei já estavam previstas e foram procuradas pelos criadores do programa: a máquina é criativa só dentro dos parâmetros em que foi programada. Tentar dotá-la de uma criatividade espontânea capaz de se metamorfosear, isso já levantaria uma série incrível de problemas que dizem respeito à investigação da inteligência artificial.
Todavia ao ler os meus poetas ou filósofos preferidos o meu sentimento é bastante diferente: a experiência é de a realidade me estar a ser dada a conhecer de um modo novo. O texto traz sinais através dos quais eu consigo chegar a novas formas de olhar, pensar e sentir o real (pelo menos eu penso que é o real) que me fazem sentir mais rico. Há uma aprendizagem que em último grau é sobre o sentido da vida, e textos assim não creio que uma máquina os possa criar. Isto porque a minha apreensão do seu sentido está muito ligada à semelhança da estrutura da minha sensibilidade com a do autor: o facto de termos ambos carne, sangue, ossos, sexo, razão, sentimentos, em suma, o facto de sermos humanos, faz com que eu me reconheça no modo de experienciar que o texto revela e determina que o que lá está escrito é relevante para mim.
Há pois, julgo, limites para o uso criativo dos processos automáticos. A reflexão sobre as possibilidades combinatórias da linguagem é uma reflexão puramente formal sobre as potencialidades das estruturas linguísticas que termina a partir do momento que o agente criador determina uma intenção que está subjacente ao texto. Se a intenção do texto for apenas jogar ludicamente com as possibilidades combinatórias, então o texto produzido pela máquina pode ser indiferenciável do humano, mas eu lerei de um modo diferente um texto (idealmente idèntico) caso ele tenha sido produzido por um humano ou uma máquina. No caso de um bom texto automático, eu admirar-me-ei antes de mais com o engenho humano que o tornou possível.
A abordagem à literatura como um conjunto de formas passíveis de serem combinadas e recombinadas chama-nos a atenção precisamente para as técnicas que podem ser utilizadas na criação literária, e para as regras que estão ímplícitas nessa prática. Tais técnicas e regras passam por um conhecimento das estruturas gramaticais da linguagem que nos permite a construção de máquinas poéticas. Todavia essas máquinas, exceptuando a possibilidade de uma inteligência artificial muito avançada (hipótese que extravasa e muito a teoria literária), a partir do momento em que é terminada a sua programação perdem a capacidade de descobrir novas regras, seja, novas formas de composição estética, ou, no limite, uma nova forma inovadora de ordenar sintacticamente a produção de sentido.