A literatura habitando a margem extrema do dizível, com alicerces no inconsciente.
Em Cibernética e fantasmas, Italo Calvino defende a existência de uma nova estética literária, já vigente nos nossos dias, mas que ainda não se vinculou suficientemente para se dar a ruptura total com o anterior paradigma.
Herdeira irrepreensível dos ideais da revolução científica do século XIX, esta estética encontra o seu fundamento na argumentação de que a literatura é resultado de um processo de escrita que recorre, numa descrição geral, a combinatórias de signos linguísticos convencionados. Tal ideia não nos oferece resistência, bastando confirmar o facto de todas as palavras escritas serem rebuscadas do vasto campo lexical da linguagem.
Para fundamentar esta sua tese, Calvino recorre por diversas vezes ao longo do seu texto/ conferência ao exemplo do narrador (bardo) das antigas sociedades tribais. Este, a partir de um “catálogo” lexical restrito, produzia uma enorme quantidade de sentidos, através de um sistema de combinações lógico entre as estruturas fixas que dotavam a sua língua.
Nascera, assim, a primeira forma de literatura. Foi através da formulação de enunciados baseados nestas regras- e como afirma Calvino- que o homem começou a «compreender como se desmonta e como se torna a montar a mais complicada e a mais imprevisível de todas as suas máquinas: a linguagem».
Hoje, os enunciados encontram-se evoluídos, sobre uma forma muito mais complexa e de progressiva abrangência. Contudo, não há na maioria dos poetas nem na sociedade em geral a sensibilidade para compreender e aceitar o facto de a produção escrita ser de ordem lógica, mesmo que em grande medida o inconsciente exerça a sua influência sobre os escritos produzidos.
Calvino defende, por isso, a “morte” (da ideia) do poeta inspirado, intuitivo, imediato, autêntico, global, divino, espiritual, representante de uma voz da alma e puro auto-retratador da personalidade. Fá-lo pelo simples facto de que este poeta não existe.
O poeta é, sim, o deliberado construtor de sentidos. Construtor dos que deseja construir, e construtor dos que constrói inconscientemente. (E, aqui, “inconscientemente” pode ser lido “à letra”, significando que o poeta-bardo acaba produzindo sentidos que não tencionara produzir e que estes derivam sobretudo da influência do seu inconsciente.)
Essa emergência de significados inesperados é, sobremaneira, fruto da ambiguidade da língua e das estruturas da linguagem. Pode dar-se, tanto na oralidade do nosso quotidiano, como na literatura. Todavia, se a primeira, de índole comunicacional, a tenta ao máximo evitar, já a segunda- principalmente no respeitante às produções poéticas- persegue-a irresistivelmente. A ambiguidade não serve, de todo, os propósitos da comunicação. Mas, se falarmos de poesia ou mesmo de literatura em geral, sabemos que é necessário o efeito-espelho do leitor no texto que surge diante de si. Logo, uma linguagem polissémica alcançará mais fácil e fidedignamente o objectivo proposto.
Herdeira irrepreensível dos ideais da revolução científica do século XIX, esta estética encontra o seu fundamento na argumentação de que a literatura é resultado de um processo de escrita que recorre, numa descrição geral, a combinatórias de signos linguísticos convencionados. Tal ideia não nos oferece resistência, bastando confirmar o facto de todas as palavras escritas serem rebuscadas do vasto campo lexical da linguagem.
Para fundamentar esta sua tese, Calvino recorre por diversas vezes ao longo do seu texto/ conferência ao exemplo do narrador (bardo) das antigas sociedades tribais. Este, a partir de um “catálogo” lexical restrito, produzia uma enorme quantidade de sentidos, através de um sistema de combinações lógico entre as estruturas fixas que dotavam a sua língua.
Nascera, assim, a primeira forma de literatura. Foi através da formulação de enunciados baseados nestas regras- e como afirma Calvino- que o homem começou a «compreender como se desmonta e como se torna a montar a mais complicada e a mais imprevisível de todas as suas máquinas: a linguagem».
Hoje, os enunciados encontram-se evoluídos, sobre uma forma muito mais complexa e de progressiva abrangência. Contudo, não há na maioria dos poetas nem na sociedade em geral a sensibilidade para compreender e aceitar o facto de a produção escrita ser de ordem lógica, mesmo que em grande medida o inconsciente exerça a sua influência sobre os escritos produzidos.
Calvino defende, por isso, a “morte” (da ideia) do poeta inspirado, intuitivo, imediato, autêntico, global, divino, espiritual, representante de uma voz da alma e puro auto-retratador da personalidade. Fá-lo pelo simples facto de que este poeta não existe.
O poeta é, sim, o deliberado construtor de sentidos. Construtor dos que deseja construir, e construtor dos que constrói inconscientemente. (E, aqui, “inconscientemente” pode ser lido “à letra”, significando que o poeta-bardo acaba produzindo sentidos que não tencionara produzir e que estes derivam sobretudo da influência do seu inconsciente.)
Essa emergência de significados inesperados é, sobremaneira, fruto da ambiguidade da língua e das estruturas da linguagem. Pode dar-se, tanto na oralidade do nosso quotidiano, como na literatura. Todavia, se a primeira, de índole comunicacional, a tenta ao máximo evitar, já a segunda- principalmente no respeitante às produções poéticas- persegue-a irresistivelmente. A ambiguidade não serve, de todo, os propósitos da comunicação. Mas, se falarmos de poesia ou mesmo de literatura em geral, sabemos que é necessário o efeito-espelho do leitor no texto que surge diante de si. Logo, uma linguagem polissémica alcançará mais fácil e fidedignamente o objectivo proposto.
Baseando-se nos pressupostos de que a produção literária é suportada por combinações, mais ou menos conscientes, das convenções linguísticas, Calvino defende que há alguma plausibilidade na crença de que, num futuro contíguo, poderão surgir verdadeiras e completas «máquinas de escrever», engenhos mecânicos capazes de produzir textos literários através de uma conjugação lógica das regras gramaticais, do léxico e das regras linguísticas. Já existem alguns modelos que dessa realidade são exemplo. Porém, e fazendo o paradoxo, falta-lhes ainda um pouco mais de humanidade. São capazes de uma produção desorganizada e caótica, mas não conseguem produzir enunciados amplamente ordenados e lógicos- reflectirá isto, parafraseando Nietzsche, a violentamente desorganizada essência da existência… até das máquinas?