sexta-feira, outubro 31, 2008

Poesia Concreta - Augusto de Campos

À primeira vista, não passa de um poema dadaísta, mas para que possamos desvendá-la, a poesia concreta exige muito mais do que uma mistura de palavras soltas em um saquinho e retiradas aleatoriamente para formar algo totalmente sem sentido, sem contexto, sem poesia.
Iniciada na década de 50, a poesia concreta implica que a palavra vai além de um significado, multifacetada, suas sílabas nos mostra uma sonoridade que vai além de um tom. A materialidade, a forma do poema interage literalmente com as palavras, nos deixando assim, um tanto quanto confusos ao vermos algo diferente daquele código de leitura o qual nos é imposto e estamos acostumados. Dessa forma, o primeiro passo a seguir para “decifrarmos” a poesia concreta é sabermos qual código de linguagem utilizar, este, que para o concretismo, nunca é o mesmo, o que o torna ainda mais interessante, ficando nas mãos do leitor, sua própria forma de interpretação.

Analises:

coraçãocabeça

De Augusto de Campos, o poema Coração Cabeça, assim que deciframos seu código de leitura, nos passa a ideia de que o coração e a cabeça são totalmente opostos, como podemos ver na frase decifrada “meu coração não cabe em minha cabeça e minha cabeça não cabe em meu coração”. Apesar de opostas, a razão e a emoção complementam-se, e o poema mostra-nos isso ao ser apresentado como palpitações de um coração.

Tensão

Neste poema, também de Augusto de Campos, sentimos verdadeiramente uma grande tensão, visto que, ao iniciarmos a leitura do poema, pela forma relativamente normal, não conseguimos encontrar seu sentido, assim que deciframos seu código de leitura, o poema nos causa uma grande tensão por não nos permitir saber aonde começar e onde terminar.

eisosamantes

Neste poema, temos a inteira visão de um acto sexual entre dois amantes, desde o momento em que seus corpos unem-se, a partir de um desejo, nada mais além do que um desejo, até momento em que o “nós” intensifica-se com a ejaculação e a germinação.
O formato do poema acompanha as palavras que descreve todo o caminho desse acto sexual, palavras inicialmente separadas, cores diferentes representando ele e ela, depois unidas, misturadas.

terça-feira, outubro 28, 2008

S.O.S de Augusto de Campos

Perante a visualização do clip-poema,datado em 2000 por Augusto de Campos,percepcionamos na ideia deste poema em primeira mão,um pedido de socorro ou de ajuda de todo o universo humano.
Ao idealizar-mos as palavras que se destoam em sentido centrífugo,nos transmitem a imagem de órbitas e o backround do texto como o "espaço"e cujo o som nos determina a ideia de ondas de radio,de transmissões que todos esses factores nos remetem para um pedido de apelo de toda a existência humana.
A ideia do próprio autor ao transmitir sinais que nos atiram para o campo lexical da solidão pelo uso das expressões: sem pai ...sem mãe...sem sol...numa noite que anoitece, nos leva a considerar que estamos sós neste obscuro,ínfimo e longínquo universo,onde ele em nome de toda a humanidade apresenta a seguinte retórica "que faremos nós?"que certamente nos impulsiona para o desespero e pela solidão em que nos acompanha desde sempre, neste mundo sem qualquer porto de abrigo e onde introspectivamente todos silenciosamente ocorrem de um pedido de S.O.S constante ao longo das suas vidas.

domingo, outubro 26, 2008

Conceito de remediação: a Bíblia de Gutenberg

A Bíblia de Gutenberg foi a primeira obra impressa. Marcou o início de uma nova era e de novos hábitos literários. No entanto, com tudo o que trouxe de novo, não foi completamente inovadora.
Nas páginas da Bíblia de Gutenberg estão presentes características das obras manuscritas dos monges copistas: letras com cores diferentes do restante texto, que funcionam como marcas de orientação para o leitor; ilustrações desenhadas à mão; o tipo de letra baseia-se nas características de uma escrita manual, de uma caligrafia cuidada.
Observa-se, portanto, a transposição de características presentes num meio de comunicação anterior (livro manuscrito) para um meio que surge posteriormente (códice/ livro impresso). Reside nesta troca o conceito de remediação, ou seja, a adopção por parte de um determinado media de características de outro(s) media.
Ao longo dos séculos, a tipografia desenvolveu-se e, eventualmente, os manuscritos tornaram-se obsoletos. Surgiram novos media, como os jornais, o rádio, a televisão, a web. Todos eles foram influenciados e influenciaram, com maior ou menor relevo, os restantes media.
A remediação funciona, assim, em mais do que um sentido. Tanto podem ser os novos media que adquirem características de media pré-existentes, como o oposto. Por exemplo, actualmente os programas televisivos incluem características que associamos às páginas web: no telejornal – rodapés com títulos das notícias que serão apresentadas posteriormente na emissão, indicação da página web do canal que emite o noticiário durante a emissão (link). O oposto também é verdadeiro, dado que as páginas web incluem conteúdos audiovisuais emitidos pela televisão.
Há uma certa fusão de características, que contribuem para alguma homogeneização dos meios de comunicação. A remediação é tão abrangente que parece difícil distanciar os vários media, à medida que estes evoluem e se reinventam. Contudo, é uma das características de evolução dos meios de comunicação e é também algo que permite a familiarização do público aos novos media. Permite que as pessoas sintam que é possível utilizar/ compreender a novidade dos meios de comunicação. Permite que os meios de comunicação se desenvolvam a partir de um conceito mais comum e, posteriormente, construam a sua própria identidade.

Poesia Concreta...

Em meados dos anos 50, nasce um movimento denominado: "Poesia Concreta".
Intrinsecamente ligado ao nascimento deste nova forma de fazer poesia está o nome de Eugen Gomringer. A poesia concreta é como que, uma união entre o autor e a tecnologia, uma vez que ,este faz uso dela para a sua criação poética. Esteticamente, os poemas concretos são completamente diferentes dos tradicionais, provocando no leitor/espectador alguma estranheza.
O sentido do texto está na forma como este se objectiva. Não conseguimos decifrar na totalidade o seu conteúdo, uma vez que não há maneira de interpretar certas ambiguidades.
O verdadeiro sujeito da poesia concreta é o leitor, o homem que se vê a si mesmo na obra, o homem que se esforça por descobrir aquilo que o constitui mais intrinsecamente: a sua consciência. Abrindo-se para a obra, ele abre -se a si mesmo. Conferir sentido à obra implica conferir sentido a si mesmo.

Bíblia de Gutenberg - Processo de Remediação

Ao analisarmos o novo formato em que nos surge a Bíblia de Gutenberg, deparamo-nos com um novo conceito - o processo de remediaçao, isto é, o processo através do qual um objecto que tem origem num determinado meio é reproduzido sob o sitema do novo meio sem perder características do meio inicial.
Este novo formato digital em que aparece a Bíblia demonstra isso mesmo, ou seja, não deixou de possuir as características mais convencionais do livro, nomeadamente, as letras trabalhadas, as ilustrações concebidas manualmente, ...
No entanto, adquiriu também características novas que pertencem ao meio digital. Exemplo disso é a forma como nos é apresentado o indice em que o leitor tem a liberdade de escolher por onde começar a sua leitura.
Na minha perspectiva, todo este cruzamento entre o "velho" e o "novo" permite ao leitor todo um processo de (re) criação e demostra bem o mundo em que vivemos : tudo está sujeito a um processo de recostrução o que permite o desenvolvimento do Mundo e de toda a Humanidade.
Contudo, também defendo que, apesar de ser muito importante o desenvolvimento e o conhecimento de novos conceitos, é fundamental preservarmos as grandes obras concebidas pelos nossos antepassados, não transformando tudo num autêntico "Mundo Digital"!

Augusto de Campos e a Poesia Concreta

Augusto de Campos é um homem à frente do seu tempo. Numa época em que se julgava que nada mais havia a fazer na literatura. Em que a inovação artística era vista como algo impossível, Agusto de Campos pensou mais longe e desconstruíu o próprio código linguístico. Os seus poemas não são apenas um objecto passivo à espera do conhecimento por parte do sujeito; têm um papel dinâmico e, diria até mesmo, um papel de desafio para quem os lê. São pedaços de literatura que requerem um exercício mental, pois a mensagem que transmitem não é de todo óbvia. A quem os lê é pedida que reflicta naquilo que pensa e interpreta. "Porque é que eu vejo isto assim?" é a questão que Augusto de Campos propõe aos seus leitores.

tensão

"tensão" é um poema com uma disposição espacial inteiramente inovadora. Augusto de Campos separou os sons de várias palavras sugerindo possíveis combinações entre eles. Sendo a totalidade dos sons graves, a tensão, que dá nome a esta obra, é facilmente perceptível quando o poema é lido em voz alta. Temos "tambem", "cansem", "contem", "cantem", "tentam", "tombem", "contam" e, obviamente, "tensão". Há ainda a possibilidade de juntar sons que formem palavras que não existem. A liberdade da Poesia Concreta é bastante visível.

coraçãocabeça

Sobre um fundo vermelho e a letras amarelas, o leitor depara-se com um conjunto de letras que vai alternando entre si, aparentemente destituídos de sentido. Contudo, Augusto de Campos cria um código de leitura que cabe ao leitor descodificar, através de um olhar atento. A mensagem codificada é "Minha cabeça começa em meu coração; meu coração não cabe em minha cabeça". Há referência à antítese entre a racionalidade e a emotividade, tradicionalmente representadas pela cabeça (cérebro) e pelo coração. No entanto, Augusto de Campos faz uma nova leitura desta dialética: o coração e a cabeça podem estar ligados, sendo um parte do outro, ou onde um acaba o outro começa. O próprio título da obra sublinha esta ideia ao aparecerem as duas palavras juntas, como se fossem uma apenas, e o intervalo entre uma frase e outra faz lembrar o bater do coração.

eis os amantes

Dois amantes envolvidos numa relação altamente egoísta, em que nada mais existe que não os seus corpos. A envolvência e a proximidade é tanta que eles são como irmãos, unidos pelo amor e pelo puro prazer. Neste poema, Augusto de Campos dispõe as palavras de forma a que elas próprias se tornem intervenientes na história que pretende contar. É por isso que, na sua maioria, as palavras apareçam justapostas e aglutinadas, lembrando a união dos corpos durante o acto sexual. O poema está escrito a duas cores, azul e laranja, representando a parte masculina e a feminina, provavelmente. No início do poema as palavras formam uma única fila vertical ("eis os sem senão os corpos"), separando de um lado "amantes" e do outro "parentes", como que mostrando a necessidade que os amantes têm de estar sós, sem a intromissão da família, pois este é um momento apenas deles. Depois, temos dois grupos de palavras aglutinadas, um à esquerda e outro à direita, e, no final desta parte, aparece uma única palavra, representando a penetração, em que um se funde no outro. Segue-se uma linha de letras que vai de um lado ao outro. A ejaculação, e o fim do coito, é simbolizado pelo seguinte verso, "semen(t)emventre", ou seja, o sémen, que pode ser também semente, é colocado no ventre da mulher. O poema é finalizado com uma referência à reprodução humana, em que "estesse" dão origem "aquelele" e "inhumenoutro", isto é, dois, quando se entregam um ao outro, originam outros.

"Amor" de Clarice Lispector

"Amor" conta-nos a história de uma mulher, Ana, que vivia de uma forma simples e pacata, totalmente dedicada ao seu marido, aos seus filhos e às obrigações que uma casa de família exige.
A personagem nunca parou para pensar no verdadeiro sentido da sua vida deixando-se envolver naquela rotina que era o seu dia-a-dia.
No entanto, tudo muda quando Ana, numa tarde em que se dirigia às compras, observou um cego que mascava uma chiklet. Esta personagem significou para Ana o ponto de partida para um longo processo de auto-conhecimento e de dúvidas que assaltaram a personagem naquele momento.
Afinal Ana não tinha uma vida assim tão interressante para se considerar uma pessoa feliz. A personagem sentiu um profundo vazio dentro de si e necessitava de algo para dar sentido à sua vida.
Este texto penso que demostra bem a forma como a sociedade vive actualmente. Por vezes "a falta de tempo" leva-nos a não dar a devida importancia aquilo que realmente é importante.
É precisamente esta mensagem que o conto "Amor" pretende transparecer: todos nós deviamos reservar uns minutinhos da nossa vida, tal como Ana fez, para reflectirmos e darmos um verdadeiro e feliz sentido à nossa vida!

sábado, outubro 25, 2008

Remediação: Modernização, Adaptação, Interacção

É perceptível a "remediação" referida por Jay David Bolter em quase todos os espaços web. Tal facto deve-se à necessidade de ser criado um formato visual baseado àquilo a que estamos acostumados: os livros e, a sua essência, o papel. A Bíblia Digital de Gutenberg, o site do artista brasileiro Arnaldo Antunes e o anipoema "Amor de Clarice" de Rui Torres são exemplos dessa remediação.

Bíblia Digital de Gutenberg

Desenvolvida na Universidade do Texas, a Bíblia Digital de Gutenberg é um excelente exemplo da "Remediation". A bíblia mais antiga do mundo, concebida pelo pai da máquina de imprensa, é apresentada completamente adaptada à era digital. Isso é visível no índice de que se dispõem para navegar na bíblia, na selecção da página que se quer visualizar, assim como no virar de páginas. Estas facilidades acabam por tornar a bíblia digital mais prática, mais dinâmica, "remediada"...


Site de Arnaldo Antunes

O site deste artista multifacetado brasileiro é outra prova da digitalização do nosso mundo, da adaptação à web. No site de Arnaldo Antunes é notável a forma como dispõe toda a sua obra, todos os seus trabalhos. Em vez de termos à nossa frente apenas uma biografia, uma amostra da sua vida e obra, temos todo o trabalho realizado por este artista, o resumo dos seus livros, o conteúdo dos seus discos, imagens das suas exposições de arte. Toda esta janela para a obra de Arnaldo Antunes está organizada para ser prática, eficiente, interactiva. Podemos viajar pelo mundo deste artista brasileiro, visualizando obras de arte, lendo a sua biografia, ouvindo "previews" dos seus álbuns. A facilidade com que dispomos para obter informação aliada à animação e interacção criadas, torna o site num espaço remediado, completamente adaptado ao mundo modernizado, tecnológico, digital.

"Amor de Clarice" de Rui Torres

Este anipoema desenvolvido por Rui Torres transpõe o conto de Clarice Lispector para um mundo abstracto, mágico, alucinante. O leitor entra no conto,cria o conto, refaz o conto, vive o conto. O leitor é parte integrante do corpo da história. A interacção com o "Amor" de Clarice torna-se pessoal. A voz sóbria do narrador é controlada pelas nossas "cordas vocais", as palavras de Clarice Lispector são desenhadas pelas nossas "mãos", o texto é pensado pelo nosso "imaginário". Esta interacção tão íntima, tão nossa, transforma o "Amor de Clarice" de Rui Torres numa remediação do conto original de Clarice Lispector.

A remediação é o nosso bilhete para viajar no fantástico mundo que a Web criou, que todos nós criámos.

domingo, outubro 19, 2008

Amor de Clarice


            Quando Ana salta para o exterior da tela colorida em que participava avidamente a partir da sua casa e vida doméstica, o mundo do Jardim Botânico lhe desaba em cima da consciência, o mundo que até então lhe era querido e não pensado; afinal Ana era apenas uma das suas personagens, talvez a que está à varanda do apartamento.

            Os dias a que assistira até então, de desmaio e de pó, são absolutamente calcados por uma imensa vitalidade, figurada pelas patas luxuosas da aranha e pelo espectáculo que a natureza fazia rebentar pelo jardim. Dentro dela, estoura amor, amor indizível e primordial, de bondade e de marfim.

A efervescente e perigosa hora da tarde finalmente raiava e Ana, além de gozar da juventude, se delicia e se atormenta com as emoções que nela dançavam. As sensações de Ana são, nesta parte, incrivelmente femininas.

Entretanto a puerilidade e o papel maternal não coexistem, e pelos filhos, pelo estalido do fogão e pela mão do marido, Ana regressa ao calmo e pitoresco sono anterior. Tão categoricamente como pela primeira vez.

            Não é censurável, de todo. Ana despiu o traje de deusa, para vestir os filhos e aquecer o marido – é um altruísmo esquecido e igualmente digno – os bancos continuam sujos com a fruta que cai, as aranhas ainda se pregam nas árvores e os gatos jamais deixarão o porte de realeza. E lá no fundo é o nosso cego que sempre espreita.

 

Há muitas pessoas e “o mundo inteirinho se enche de graça e fica mais lindo por causa do amor”.  

Bíblia de Gutenberg\Conceito de remediação

A Bíblia de Gutenberg, advento da tipografia proporcionou uma reviravolta na forma de criar material literário. A folha que entrava duas vezes na máquina de impressão, tinha uma particularidade que passava pelo facto de alguns capitulares continuarem a ser desenhados à mão. O resultado final foi uma obra de carácter sóbrio e estética agradável.
O conceito de remediação, analisado em aulas anteriores adapta- se a este tema, uma vez que a Bíblia de Gutenberg pode ser considerada uma remediação de bíblias escritas. Gutenberg ao criar uma nova tecnologia inspirou-se em aspectos formais e materiais de um meio anterior. Assim sendo, podemos entender remediação como a transposição de características de um meio anterior para um mais recente.
A própria história dos media é feita de processos de remediação, quando surge um novo meio, os meios anteriores sofrem uma requalificação. A s características originais continuam a ser reconhecidas, no entanto, sofrem uma configuração.
Um exemplo desta realidade, são os sites de jornais onde reconhecemos elementos gráficos comuns à publicação em papel.

sábado, outubro 18, 2008

A Bíblia de Gutenberg - "The remediation"

Ao analisar a bíblia de Gutenberg em formato digital, deparo-me com o conceito de remediação, ou seja, a transposição de uma forma que se encontra num determinado meio para outro meio: a bíblia de Gutenberg em formato de livro para o formato digital.
No entanto, esta transposição não é feita na íntegra, uma vez que há características originais que são transpostas para o novo meio.
Ao lermos a bíblia de Gutenberg em formato digital, apercebemo-nos que o autor teve o cuidado de passar o formato original do livro para formato digital, dando ao leitor a ideia de que tem o verdadeiro livro na sua mão. Aspectos como a digitalização das páginas originais e da própria espessura do livro são características próprias do conceito de remediação.
Logo e perante este novo conceito, quero deixar uma questão no ar: será que no futuro os livros que tão bem conhecemos, que folheamos, que tocamos e que a cada página que viramos nos abrem uma nova janela irão desaparecer para dar lugar ao livro digital?

quinta-feira, outubro 16, 2008

“Amor de Clarice” – Poema Hipermédia

Rui Torres, no seu poema hipermédia “Amor de Clarice”, faz uma adaptação do conto “Amor” de Clarice Lispector. Sendo um poema hipermédia permite-nos interagir muito mais com todas as partes da obra, o que no conto “Amor” já não é possível. Neste poema deparamo-nos com algumas frases marcantes, do conto, articuladas de modo a produzirem um sentido; sentido esse que a qualquer momento pode ser alterado, pelo leitor, através de um simples “clique” do rato.
Para complementar este “jogo de palavras”, Rui Torres introduziu, na sua obra, um conjunto diverso de fundos de ecrã que passam pela sobreposição de frases, misturas de cores, vídeos temáticos, vozes e peças musicais. Estes fundos de ecrã, originais, levam o leitor a criar novas interpretações acerca do poema, tornando-o cada vez mais rico.
Esta adaptação do poema de Clarice Lispector por Rui Torres é, sem dúvida alguma, uma representação interessante e apelativa, que cria desde o seu início uma grande curiosidade no leitor em explorar o poema.

Amor de Clarice remediado.

O ilustre poema “Amor”, criado por Clarice Lispector, relata a crise de identidade que consome a personagem Ana ao se deparar com um cego à mascar chiclete na paragem do autocarro, conseguindo este, de tal forma, entrar em sua mente e, a partir dali, faz com que Ana perceba que sua vida não passa de uma mesquinha monotonia análoga.
O mesmo poema é remediado por Rui Torres, que nos permite interagir ainda mais com a obra, esta que agora apresenta uma variedade multimédia, uma intermedialidade, onde conseguimos ler e entender de uma maneira mais interessante, interagindo directamente com os fragmentos do poema os quais podemos montar, assim como num puzzle, e mesmo assim, sendo capazes de chegar, mesmo que por caminhos diferentes, à uma conclusão, a mesma que a autora deixa em seu poema original.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Amor de Clarice, Rui Torres

A criação do poema hipermédia "Amor de Clarice" desenvolvida por Rui torres e respectivos colaboradores, demonstra o quão privilegiados somos em viver nesta época. Tudo é passível de se fazer, basta -nos ter ao nosso alcance um computador e alguma dose de criatividade.
A adaptação do poema "Amor", de Clarice lispector a um texto hipermédia resulta em algo interactivo, onde numa mesma página temos à nossa disposiçao vídeo, música, movimento textual e imagem. Um livro, apesar de ser um excelente material cultural, não consegue alcançar os poemas hipermédia em termos de dinâmica.
Ao ler um poema hipermédia, o leitor é necessariamente levado a fazer um esforço de compreensão, uma vez que é particularmente difícil interpretar uma obra desta configuração.
O primeiro contacto, provoca alguma estranheza e até imcompreensão, contudo, uma exploração profunda, que permita ao leitor enredar -se no poema irá proporcionar uma experiência de interpretação bastante gratificante.

terça-feira, outubro 14, 2008

Amor, de Clarice...

O conto "Amor" de Clarice Lispector tornou-se poema hipermédia, pela mão de Rui Torres e colaboradores. Algo que antes era uma narrativa de leitura linear, com princípio, meio e fim bem definidos (literalmente, preto no branco) foi transformado numa sequência interactiva de frases, imagens, sons e vídeo que nos remetem para o universo do conto.
A conjugação dos diferentes media realça a experiência de Ana, personagem principal do conto e protagonista do poema, e o seu mundo interior. Somos transportados para o caos existencial, para as questões e tormenta daquela dona de casa, cujo mundo se desmorona e reconstrói à volta de uma sucessão de acontecimentos triviais.
No poema hipermedia, as letras que circulam no ecrã, formando expressões aparentemente desconexas, e a música e voz que são ouvidas, quase como ecos de consciência, lembram um pouco a mente de alguém, o processo de pensamento de uma pessoa. Os vídeos a que se pode aceder, em determinados capítulos do poema, são quase como memórias. É um pouco como se invadíssemos a mente de uma pessoa que se encontra a interpretar o conto. Palavras e expressões-chave são repetidas ("o mal estava feito"), para enfatizar determinados sentimentos e situações, tal como no conto. De facto, o sentido de "Amor", não é alterado na sua forma de poema hipermedia.
Vemos diversas fases do conto de Clarice Lispector a "boiar", sob a forma de versos alternados, num mar de palavras, que parece não ter sentido excepto aquele que lho atribuirmos. No entanto, tal como o conto, o poema hipermédia, demonstra a náusea existencial de Ana e transmite a ideia da perturbação, tanto pelas frases soltas que ora aparecem, ora desaparecem, ora são mudadas de ordem (pelo leitor), como pelas características do vídeo (iluminação, loop, utilização de imagens relativamente abstractas e com cores contrastantes), ou mesmo pela voz masculina que nos conta a história ou repete aleatoriamente versos. Tudo contribui para uma experiência diferente de leitura e interpretação, apesar de a história de Ana continuar, no fim de contas, a ser a mesma.

domingo, outubro 12, 2008

"Amor" de Clarice Lispector

A obra literária "Amor" conta-nos a história melancólica de uma mulher, de seu nome Ana. Ana é uma dona de casa, casada e com dois filhos. Vivia de forma humilde, sem exubirtantes ambições, vivendo assim satisfeita com a sua vida estável.
Mas, houve um dia em que toda essa tranquilidade caíu por terra. Ao regressar das compras de bonde, Ana vê um cego a mascar chicletes. Essa imagem vai servir de mote para todo o conflito psicológico que vai surgir em Ana e, por conseguinte, da sua crise de identidade.
Ana acostumou-se a simplesmente viver por viver, crescendo dentro de si uma vida monotona, sem felicidade, sem amor.
Clarice critica de forma metafórica o conformismo que muitas pessoas têm e que, por isso, acabam por simplesmente existir, abandonando e apagando aos poucos a chama da vida.

sábado, outubro 11, 2008

Amor Escondido, Amor de Clarice...

"Amor" de Clarice Lispector é um conto que demonstra os conflitos psicológicos e crises de identidade que persistem até aos dias de hoje. A monotonia da vida e a homogeneização da mesma criaram muitas "Anas", pessoas que se prendem ao quotidiano e se conformam com uma vida sem interesses, sem fulgor.
Em "Amor", Clarice evidencia essa falta de emotividade na vida de Ana e no quão mórbida e sombria é essa vida. Ana deixa-se levar pelas lides domésticas, pelos seus afazeres, pelos seus deveres como mãe e mulher, tornando-se numa mulher sem chama, sem amor.
Num desses dias iguais a todos os outros, Ana quebra toda aquela vida de mulher feita por um instante. Ao ver um cego mascar a chiclete, ao deparar-se com os ovos partidos, ao reparar no olhar troçado e efusivo dos passageiros no autocarro, ao vislumbrar a beleza escondida do Jardim deixa-se destroçar e desintegrar. Ana lembra-se agora que o amor é sentimento, lembra-se que a vida não é tranquila e fixa, lembra-se que existem defeitos, lembra-se que existem pobres e ricos, que existem emoções, lembra-se que a vida é muito mais do que apenas existir.
Nesse momento agridoce, em que se sente enojada e fascinada, Ana apercebe-se das novas-velhas sensações, rompendo com os dias mecanizados que levava, onde era feliz sem o realmente ser, onde permanecia cega em relação aos defeitos.
Ana é uma de tantas outras pessoas, que prefere viver sem felicidade do que de forma incerta com amor. Essa garantia de uma vida sem oscilações, sem mau nem bom, sem feliz nem triste, uma vida sem sensações, tornou Ana numa pessoa que simplesmente existe. Esse amor que permaneceu escondido dentro dela, essa inquietação que Ana repudiava, apagou-se, abafado por um sopro, como aquele que acabou com "a pequena flama do dia"...

sexta-feira, outubro 10, 2008

"Amor", Clarice Lispector - O Amor, sentimento como nenhum outro

Clarice Lispector conta-nos em "Amor" a história de Ana, uma mulher entre tantas outras. Ana leva uma vida regular e previsível, a seu gosto, pois "assim ela o quisera e o escolhera". Como tantas outras mulheres, Ana tem filhos, marido e cozinha assim como uma grande necessidade de harmonia com tudo o que a rodeava. Recorda-se da sua juventude como um período distante e estranho, do qual apenas sobrevivem memórias em que projectava uma vida completamente diferente. Descobriu, contudo, "que também sem felicidade se vivia", conformando-se com o dia-a-dia que o destino lhe presenteou.

Ana tem uma única preocupação: a "hora perigosa da tarde". Esta é a hora em que todo o mundo que construiu à sua volta sobrevive sem o seu olhar atento. As crianças e o marido estão fora de casa, as louças estão lavadas, o chão está limpo e os móveis sem pó. Mas até esta hora perigosa está controlada por Ana. Descobriu que a pode ultrapassar saindo de casa, seja para fazer compras ou outros afazeres. E é num dia como tantos outros, nessa hora perigosa, que Ana está no autocarro, já com as suas compras, vencendo mais uma vez. Subitamente depara-se com um cego, como tantos outros, mascando chiclet.

Sem saber bem porquê, Ana fixa o seu olhar e a sua atenção nesta personagem. Impressiona-a o seu movimento de mastigação, em que parece que sorri e deixa de sorrir, várias vezes. É tanta a atenção dada por Ana, que nem repara que o autocarro recomeça a sua marcha, deixando cair o seu saco e partindo os ovos que lá iam.

A hora perigosa da tarde venceu... Ana perdeu o controlo de algo. Os ovos que havia comprado não iriam chegar a casa. "O mal estava feito". Para Ana, o mundo deixava de fazer sentido. Quando até na sua vida controlada e rotineira, em que tudo parecia estar na sua alçada, algo de imprevisível acontecia como é que tudo o resto poderia continuar de pé? A insustentável leveza dos ovos chocou com a sua vida, deixando-a náufraga sem destroços a que se agarrar.

E é como náufraga que Ana se apercebe que desconhece o sítio onde saiu do autocarro. Aos poucos repara que está na zona do Jardim Botânico e para lá caminha, dando cada passo como se estivesse noutro planeta. Neste Jardim como tantos outros, Ana encontra um admirável mundo novo, assustador e maravilhoso, belo e selvagem. Observa a vegetação e os animais e um misto de sentimentos invade-a e, pela primeira vez em muito tempo, Ana vive. É assaltada por sensações reais, sensações que há muito se esquecera que existiam, pois a redoma de vidro que fabricara na sua cozinha impediam-na de as ter.

Ana lembra-se das suas crianças e acorda do sonho. Correndo, chega a casa, mas esta parece-lhe estranha. Estranha a sala, as maçanetas, os vidros, a limpeza, estranha até o filho que a vem abraçar. Tem medo do contacto e afasta-o. O olhar seguro com que encara a mãe, destroça-a. Ana descobre em sua casa um pouco do Jardim, nas aranhas por trás do fogão, nas formigas da cozinha, na flor na jarra. Agora que tinha vivido como nunca viveu, toda aquela vida lhe parecia vazia. A redoma sufocava-a.

Seguiu-se um jantar de família, como tantos outros. As conversas e os risos inundavam a mesa e as crianças animavam tudo à sua volta. Ana compreende a fragilidade que estes momentos têm, como é fácil que acabem, como um cego mascando chiclet pode pôr termo a tudo o que temos como garantido. E, assim, "Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu". Após o jantar, Ana ouve um estrondo na cozinha e corre para ver o que é, alarmada. O marido desdramatiza, abraçando-a e Ana, vencida, vai com ele.

Ana vive mais num dia do que em toda a sua vida. O seu encontro com um cego que masca chiclet torna-se numa viagem de auto-conhecimento, pois na verdade Ana não se conhecia, tal como não conhecia nada. Assim como todos nós. Todos nós que vivemos em redomas, tanto nas nossas cozinhas, como nos nossos quartos e escritórios, nem essas redomas conhecemos. Vivemos uma vida planeada ao pormenor, sempre com o medo que chegue aquela hora da tarde, em que reina o imprevisto. Cabe a cada um encontrar o nosso cego, explorar o nosso Jardim Botânico e viver o Amor, não como tantos outros, mas o nosso.
"Amor" de Clarice Lispector, podia ser um conto como tantos outros. Mas não é.

quarta-feira, outubro 08, 2008

“Amor” – Clarice Lispector

O amor é um sentimento complicado de explicar por palavras, mas quando sentido traduz-se num conjunto de sensações intensas, agradáveis e até “mágicas”. No conto “Amor”, de Clarice Lispector, esse sentimento está bem presente. A personagem vive momentos de amargura, resignação e de grande confusão interior, tudo isto porque vive fervorosamente a sua rotina diária. Rotina, essa, centrada no seu lar, desde o marido, aos filhos, á limpeza e manutenção da casa e às compras. É um dia-a-dia agitado que lhe causa muitas preocupações. A certa altura esta acaba por temer certa hora perigosa do dia, quando o sol está alto; hora em que “a casa estava vazia sem precisar mais dela”; hora em que ela se sente inútil pois nem os filhos, nem o marido nem a casa precisam dela naquele momento. Contudo ela sabe que em casa tem um “homem verdadeiro” e filhos que a amam muito. Este amor fá-la sobreviver todos os dias àquela hora fatídica, para mais tarde se reencontrar com a família.
Momentos como estes, de insegurança e mal-estar interior, fazem parte do quotidiano de várias pessoas, nos dias de hoje. O stress do trabalho, do cuidar da casa e da família e da vida sedentária que levamos, leva-nos a sentir-nos confusos ou até impotentes em relação a algumas situações, aparentemente complicadas, mas que não passam de coisas normais de rápida e simples solução. No entanto, tal como acontece com a personagem, temos momentos de reflexão que nos fazem pensar em questões às quais não dava-mos importância anteriormente como o sentido da vida, se os problemas que julgamos ter são mesmo problemas… Por vezes esses momentos surgem em alturas imprevistas, quando há uma quebra involuntária da rotina, quando acontece um imprevisto, o que nos descontrola completamente. É nestas alturas que nos apercebemos que existem pessoas em situações piores que as nossas e que não podemos pensar que vivemos uma situação irremediável. Devemos sim procurar uma solução e pensar que o “amor” é capaz de coisas maravilhosas, e que com ele a alegria é uma garantia, e quebrar a rotina. No entanto há que referenciar que o amor não cai do céu, é preciso lutar e fazer um esforço para o conseguir e o merecer.

segunda-feira, outubro 06, 2008

"Amor"- Clarice Lispector

Confesso que, a primeira vez que li o romance, não entendi a mensagem que nele estava contida.
Para mim, antes de o ter analisado , era apenas mais um dos livros que li.
Contudo, há nele uma grande história que nos conduz a uma série de pequenas reflexões sobre uma série de coisas que diariamente nos passam ao lado.
A rotina diária, da qual somos escravos, faz com que não tenhamos tempo para pensar no verdadeiro sentido da vida, verificando -se um cada vez mais crescente conformismo.
A personagem retratada no conto, ao deparar -se com um cego a mastigar pastilha, entra como que num processo de introspecção,podemos até dizer "nausea existencial".
O fugir à rotina, aquela visita ao jardim, foi como que um sopro de vida para ela, pois por momentos não teve que dar explicações da sua vida a ninguém.
Finalizando, penso que o ser humano deveria dedicar mais algum tempo a si próprio, pois como popularmente se diz:"Se tu não gostares de ti, quem gostará?".

quarta-feira, outubro 01, 2008

The Machine is Us/ing Us - Michael Wesch

São os seres humanos que controlam a “máquina”? Ou são apenas instrumentos para a sua evolução?
Na minha opinião, o pequeno filme de Michael Wesch (professor de antropologia de Kansas State University) remete para a ideia de um ciclo interminável. Por um lado, são os seres humanos que tornam a utilização da tecnologia e a transmissão de informações através da Web em algo extremamente importante e imprescindível; mas ao inserir continuamente dados nesse sistema (quer sejam textos, vídeos, música, fotos, links para informação complementar ou outros dados quaisquer), estão a acrescentar algo novo ao conhecimento previamente armazenado e, portanto, estão a “alimentar” o sistema, contribuindo para que este se modifique e adquira maior complexidade. Como é referido no filme, nós ensinamos a “máquina”. Ela depende das pessoas para ganhar forma.
No entanto, a partir de determinada altura, a “máquina” (que não é mais do que a Web) adquire tal complexidade que a própria sociedade em que nos inserimos passa a depender dela e a ser moldada por ela. Por exemplo, a Internet adquiriu tal importância que já existe um novo tipo de analfabetismo: o tecnológico.
Surge, por isso, uma co-dependência entre ser humano e máquina. Haverá sempre uma influência humana na evolução tecnológica, mas os seres humanos dificilmente sobrevivem sem tecnologia. É uma marca dos tempos.
A evolução digital entrou nas nossas casas sorrateiramente e acabou por influenciar o modo como vivemos as nossas vidas. Daí que (como é referido no filme) tenhamos que repensar vários conceitos que, até há bem pouco tempo, nos pareciam imutáveis (ética, família, amor, estética, direitos de autor, privacidade, identidade... ) e, provavelmente, alterar a estrutura da sociedade actual, dado que, situações que não teriam contexto sem a (r)evolução tecnológica levantam novas questões ético-legais e, também, de segurança pessoal.
Considero, contudo, que o filme transmite uma opinião positiva. O ênfase é dado às múltiplas oportunidades e possibilidades de produção e transmissão de informação que a tecnologia nos abriu (por exemplo, o blog com links a outros blogs e a outros sítios web; a utilização de tags; a troca de informações em vários formatos; a partilha de experiências e ideias através de vídeos, fotos, etc). Mostra uma sociedade em mutação rápida e constante e em pleno processo evolutivo.
Em suma, revela que o ser humano tem mais um patamar para alcançar na escada evolutiva e que começou recentemente a aperceber-se disso e a tentar começar a subida (ou talvez escalada).