O Monstro do Lago Ness
Uma sombra na água. Uma estranha ondulação. Um tronco a emergir. Uma criatura muitas vezes entrevista, mas nunca vista de facto. Ao longo dos anos, acumularam-se as lendas. O lago foi perscrutado de lés a lés. Com sonares e câmaras fotográficas. De dia e de noite. Ao cimo de água e debaixo de água. E, mesmo assim, nunca se encontrou. Todavia a criatura persiste. O poema de Edwin Morgan dá-lhe até uma voz. Mas tal como uma mancha na superfície ondulada e cinzenta da água registada numa película fotográfica, a possibilidade de interpretação depende da criação de um contexto e de um referente para a imagem ou para a linguagem. No texto do poeta escocês, essa possibilidade é construída pelo título, primeiro, e depois pela segmentação dos fragmentos sonoros e pela pontuação. À primeira audição não parecem ser interpretáveis. São simplesmente reconhecíveis como sequências de uma língua desconhecida, com as variações de timbre, altura e duração da cadeia dos sons da linguagem. Gradualmente, no entanto, vão ganhando uma referência: o poema sonoro torna-se registo onomatopaico do som do movimento de um corpo na água. Os sons da voz e os sons da água constroem esse contexto de interpretação. A voz do monstro parece mesmo espantar-se ou intrigar-se. O processo de emergir e imergir é neste caso fotografado pelos sons e pela máquina narrativa da linguagem que faz o monstro cantar a sua história.