quarta-feira, março 08, 2006

Dois amores

Existem pelo menos duas semelhanças entre os dois textos, "Amor" de Clarice Lispector e "Amor de Clarice" de Rui Torres.
Antes de mais há poesia. E há a Ana.
O poema de Rui Torres potencia o conto de uma forma vertiginosa, dá-nos com a sua musicalidade, o seu ritmo a sensação de continuidade (de infinito). É como se entrássemos mais a fundo no estado emocional de Ana: numa Ana deformada pelas compras, no seu ventre que ganha volume, mas também a Ana que procura o conforto.
E toda ela é movimento, e toda ela dança: semeia e volta a semear, de tudo recebe e tudo dá.
Até mesmo aquilo que rodeia a sua vida: os seus filhos, o fogão, o apartamento, as cortinas…aparecem-nos num movimento rodopiante que nos conduz até à ideia de caos.
Do caos que é a vida, em que aquilo que nos parece como mais improvável (a morte) é o mais certo.
Mas depois da imagem de caos surge o lar, o seu porto seguro. O lar onde Ana pode ser mulher e “sentir a raiz firme das coisas".
Ana pertence à parte forte-frágil deste mundo. Deste porque não há outro.
E quanto ao amor do título este encontra-se agarrado às palavras que tecem este conto-poema e este poema que nasce do conto.