"Amor" de Clarice Lispector
Percorremos o texto tal como Ana, perturbados pela visão do cego esquecendo o que será de facto importante: o título.
A que se refere este “amor”? Ao amor que levou Ana ao autocarro onde se senta com as compras no colo? À “vertigem de bondade” que a leva para fora do seu mundo e a desperta para uma realidade que não é a sua? Ou ao Amor que a leva de volta ao seu mundo? Não será antes este “amor” o amor por si própria quando se descobre?
Ana que vive o seu dia-a-dia para os outros como mãe e esposa, fazendo assim parte de um mundo que nunca julgou ser seu, tem na visão do cego um momento de epifania que a faz questionar a vida que leva. Abalada por esta nova visão do mundo, Ana medita e por momentos apercebe-se da banalidade daquele que conhece como sendo o seu mundo. Ana descobre-se como pessoa para além da sua realidade de mãe e esposa. Descobre o quão pequena e banal era a sua existência em que como dona de casa tudo controlava. Descobre um mundo onde não tem controlo e onde é apenas uma mera espectadora. No entanto Ana regressa a casa e à sua vida bem mais simples que todo o mundo que havia visto essa tarde, mas não mais voltaria a ser a mesma. Ana descobrira uma mulher mais bruta que havia em si e esperava agora o próximo despertar.