Escatologia em Américo Rodrigues
Zip Fluxus, E-qui-li-brrrrr-iô, Carne. Perante estes três trabalhos o que será que o autor nos quer contar? O que o fez fazer/mover para nos apresentar estas obras quase sem sentido para um ouvido comum? Em primeiro tentemos uma breve abordagem do conjunto: no Zip Fluxus é notável a presença da respiração alternada entre um possível mundo sexual e (ainda talvez) outro onírico, acompanhada esta pelo abrir e fechar de um zip que também ele é alternado entre a serenidade do prazer e a velocidade louca de que ele, por ventura, poderá acabar a qualquer momento. E-qui-li-brrrrr-iô dá-nos a percepção nítida de uma avalanche de sons que uma única vogal pode suportar. Aqui é revelado o spectrum possível que as vogais e consoantes podem adquirir para além do seu significado na palavra contido, é deste modo feito uma busca exaustiva das possíveis melodias que, sem dúvida, des-mancham a palavra originária, remodelando-a para que o próprio leitor/a não fique preso à insignificância dos sons e não seja levado pela onda do simples ouvir sem pensar. O que nos traz de novo a Carne? Ora, neste trabalho é explorado igualmente de forma espectral o desenvolvimento do som que é produzido e (dis)torcido do original, mas neste caso o simples som de um beijo é levado ao extremo, chegando ao ponto de não termos a possibilidade auditiva de reconhecer o som produzido como o som de um beijo-carne, mas como um conjunto de sonoridades além beijo, migradas estas de um beijo original.
Com tudo isto resta-nos agora – e é aqui o ponto – examinar o que o autor nos quer ensinar com as estas três produções. Algumas perspectivas podem ser ampliadas: o autor mergulha nos sentidos e sons das palavras, passeando bem pelo fundo e dando-nos todo o spectrum de que elas poderão significar no seu contexto primordial. Ele obriga-nos a parar para pensar, parar e fluir no ritmo do além-som original, parar e sentir que um simples som pode alterar toda uma estrutura frásica. Aqui o jogo de combinações e exploração dos sons é realmente algo que nos perturba, pois ele retira-nos do nosso hábito de só ouvir os sons e associá-los imediatamente às palavras e às ideias como que de um modo automático, esquecendo-nos nós de que as combinações de sons são imensas, muito para além da nossa capacidade de compreensão e audição.