quarta-feira, abril 26, 2006

Universalidade e continuidade em E. Melo e Castro

A exposição de Melo e Castro, no museu Serralves, é inovadora no sentido em que reúne a poesia e os novos meios tecnológicos garantindo a sobrevivência da poesia em papel. À entrada é-nos apresentada uma construção arquitectónica de três espaços, um espaço fechado e central, e dois espaços pequenos adjacentes no qual o visitante pode entrar. No espaço principal é projectada uma série de imagens em televisores estrategicamente colocados. A mensagem que nos é transmitida é a falha na comunicação na nossa sociedade. É irónico que vivemos na era de uma grande divulgação de informação, e na era da Revolução Tecnológica, no entanto não somos capazes de "comunicar" uns com os outros. Será que se "comunicava" mais quando não tínhamos estes meios à nossa disposição? No interior de dois espaços adjacentes ao bloco central somos confrontados com imagens e sons, aos quais automaticamente reagem os nossos sentidos auditivo e visual. A sensação é atrofiante, assustadora e confusa, a vontade de sair daquele espaço escuro e procurar algo que faça algum sentido ou alguma lógica.
Na segunda parte da exposição encontramos trabalhos anteriores de Melo e Castro, os seus poemas ou melhor dizendo viso-poemas, como por exemplo "o pêndulo", e info-poemas. E ainda numa terceira divisão são-nos apresentadas explicações, por parte do artista, de algum modo filosóficas sobre as suas obras. E. Melo e Castro faz uso de vídeo e retroprojectores criando aqui uma inter-relação entre vários média, transmitindo a ideia de continuidade e universalidade da arte.

uma vez mais melo e castro...

Pêndulo de EM de Melo e Castro

Não mais recuo: o que escrevo é escassez e fendas,
é contra esse modo reto e seguro de escrever que escrevo — em desaprumo.
Bebo o gosto travado desse poema numa cobiça de ser dito:
um laivo de sangue escorre de minha boca.
O processo vital subsiste ainda na artéria, a manhã poluída prossegue sua lenta engrenagem,
seu incêndio diário,
sua assimetria — apesar do azinhavre
no garfo
do pêndulo,
do cotidiano cigarro
igual ao trabalho noturno da morte num corpo.
Mas pra nomear o que respira secretamente por trás dessa vida de veias
nervos assombros penhoras e sofre desfiladeiros poços terrenos baldios,
a mais inexplicável vertigem — nenhuma palavra é possível: nenhum selo.

Agreste de Luís Inácio Araújo

E. M. de Melo e Castro, Retratos Metamíticos

Mensagem clara

O poema de Edwin Morgan é bastante interessante tanto a nível visual como de significado. As letras de 'Message Clear' caem como se fossem peças de legos ou até um jogo de Tetris, e que no fim formam uma frase. Por outro lado, estas letras formam outras palavras com significado até atingir a frase final. Para além disto ainda tem o significado bíblico, já que o 'I' refere-se a Jesus Cristo, e não ao autor.

Levemente Inseridos

Fomos de viagem ao Porto e de repente, Levemente, foi-nos apresentado um novo caminho...

A exposição com que Melo e Castro nos presenteia é tudo menos estaticismo, imobilismo. Um universo de sensações adormecidas por dias de tédio e rotina, ganha consciência e passa a controlar-nos com uma influência mental considerável. A cor, o som, a luz, e a ausência delas, transportam-nos para uma dimensão estético-sensorial pré-concebida que pela sua interactividade, morrerá sem a colaboração do leitor/espectador/ouvinte ( nós!!!) por falta de vida.

De poemas fixos a salas interactivas que dependem da nossa colaboração passando por maravilhos e fixados Infopoemas, Melo e Castro providencia-nos com as ferramentas necessárias para a construção de um novo Universo... No entanto, sejamos Deuses ou semi-Deuses, é o bater do nosso coração que o anima, lhe dá vida. É nas nossas veias que corre o sangue da inerpretação poética... Mais do que nunca, o trabalho de criação/interpretação poética, confunde-se e complementa-se. Autor e actor são mais do que nunca cúmplices neste suave crime da génese literária.

Uma sala vazia

Uma sala vazia que se enche de gente que não comunica entre si. Uma sala vazia e fechada que não comunica com o exterior. Este conceito de "não-comunicação"é explorado por Ernesto de Melo e Castro na performance "Incomunicação à Distância". Várias pessoas instruídas para não interagir umas com as outras foram fechadas numa sala completamente vazia e sem janelas. Foi-lhes dito para atender os telemóveis à medida que estes fossem tocando mas… de cada vez que um telemóvel tocava do outro lado ninguém falava.

À primeira vista nada disto faz muito sentido, mas se pensarmos bem quantas destas salas não encontramos todos os dias à nossa volta nos mais variados sítios. Na era da comunicação não estaremos todos afinal numa imensa sala cheia de pessoas que não comunicam entre si mas que vivem na ânsia de comunicar com o exterior?

terça-feira, abril 25, 2006

Serralves - Exposição de Ernesto de Melo e Castro

Ao longo da exposição de Ernesto de Melo e Castro, "O Caminho do Leve", pudemos ver como ele une, de forma original, a palavra à imagem visual e auditiva. Logo na primeira obra que vimos ele transporta a sua poesia até às novas tecnologias, usando nela vários tipo de media. A obra consiste em 3 ecrãs, com a imagem esverdeada, nos quais vemos pessoas a andar de um lado para o outro, fechadas dentro de uma pequena sala e sem qualquer tipo de comunicação entre elas - nem sequer contacto visual. Ao mesmo tempo os únicos sons que se ouvem são telemóveis constantemente a tocar e pessoas a atender e a perguntarem insistentemente quem é, sem que obtenham qualquer tipo de resposta. Para mim esta obra pode ser uma alegoria da nossa sociedade. Um espaço exíguo, em que as pessoas não falam, não comunicam e andam apressadamente é comparável às ruas das grandes cidades em que todos se cruzam mas, de certa forma, ninguém comunica porque ninguém se conhece; o ensurdecedor som dos telemóveis , comparável a infinidade de barulhos que ouvimos quando vamos pela rua - carros, buzinas...
Também apreciei, especialmente, a outra parte da exposição em que o autor alia a poesia ao desenho - a palavra é escrita de forma a representar aquilo que ela própria designa.

sexta-feira, abril 21, 2006

Sinfonia do arco-íris

Claire de Lune tem na representação de Stephen Malinovsky uma visão gráfica semelhante aos compositores de musica existentes para computador o que nos dá uma outra visão das pautas a que estamos habituados tornando-se assim mais simples a sua interpretação e com um grafismo mais agradável. Claire de Lune toma assim uma forma muito interessante nesta combinação sonora e gráfica.

Concretizações

A conferência de Jorge Luiz António alerta-nos para uma questão que nunca deve ser desconsiderada.
Tão importante como a criação artistica, neste caso poética, é o seu estudo.
E se no estudo interpretativo essa mesma importância é facilmente observável, mesmo naquele que individualmente e de uma forma até um pouco casual é feito por cada leitor, é supremamente importante o estudo académico da obra poética. E porquê?
É no estudo académico que a vertente do trabalho e da continuidade criativa de uma corrente poética mais é apreciada e demonstrada. Permite a comparação e o contraste entre um autor ou entre vários autores, a sua localização temporal, as influências que diversas obras sofrem ou provocam.
Assim, o trabalho imenso de Jorge Luiz António sobre Poesia Digital (eu escolhi este termo dos muitos sugeridos) deve ser valorizado como obra essencial para a compreensão das diversas obras poéticas analisadas. Mais, a própria "catalogação" de obras poéticas é também em si um estudo interpretativo pois coloca-as em patamares comparativos entre elas.
Finalmente, o caracter contemporâneo deste trabalho merece destaque pois estamos perante factos que aconteceram recentemente ou estão mesmo a acontecer.Leva-nos quase a sentir que fazemos parte do que está a acontecer...

quinta-feira, abril 20, 2006

Ser mais artificial do que homem não há ou Quando aquilo que importa é o movimento de fusão que faço com as palavras

Saber se a máquina poderá gerar poesia...
Saber se poderá ser considerada como boa poesia...
Saber se será o início do fim da poesia feita pelo homem... Se somos assolados pelo medo da ideia maniqueísta de artificial / natural, respondo: ser mais artificial do que o homem não há. Artificial quando é autómato, quando aceita sem reflectir, sinto-o como algo que me constrange. Mas artificial por que se constrói, porque elimina velhos preconceitos, porque mata as partes necessárias para se melhorar, então aí, sinto-o como um dádiva.
...
Neste campo de batalha há-de existir sempre um lugar para o homem, pois este estará sempre em vantagem em relação à máquina: ela não tem particularidades, estados de alma, ansiedades, imaginação, consciência da sua mortalidade, erotismo...
Mas aqui, neste espaço, o que realmente me importa, é que com a poesia concreta e depois com a poesia digital, a minha consciência sobre o poder das palavras agudizou-se. ”A palavra lançada na mente, ao acaso, produz ondas de superfície e de profundidade, provoca uma cadeia infinita de reacções, transportando na sua queda sons e imagens, analogias e recordações, significados e sonhos num movimento que interessa a experiência e a memória, a fantasia e o inconsciente. ”Gianni Rodari in Grammatica della Fantasia
Uma palavra isolada pode funcionar como uma palavra mágica, mas na realidade não basta um polo eléctrico para fazer faísca, são precisos dois.
A palavra isolada contem nela expressão, mas quando encontra outra que a provoca, que a obriga a sair dos caminhos do hábito, a percorrer outras artérias, aí sim, começa a luta

quarta-feira, abril 19, 2006

O caminho do leve

Ao contrário da maioria das exposições que encontramos nos museus (quadros com pinturas, esculturas e alguns objectos), E.M. de Melo e Castro traz-nos um diferente modo de exposição. Ou seja, a exposição deste poeta é feita através de alguns filmes, imagens e quadros com a sua poesia. Ele mostra-nos como é possível relacionar a palavra com a imagem, utilizando diversos meios (multiplicidade). É interessante como o autor consegue, no próprio local da exposição, gravar uma cena em que as pessoas não cruzam olhares nem comunicam entre si; apenas se ouve o toque de telemóveis e a voz das pessoas a atender. O autor apresenta-nos videopoemas, poesia concreta, infopoesia, poesia sonora interactiva e poemas cinéticos e filmicos. A certa altura pude ler uma frase de E.M. de Melo e Castro que dizia: "desenhar, escrever e pintar é tudo a mesma coisa".

terça-feira, abril 18, 2006

Piano de cores


Claire de Lune de Claude Debussy é uma música lindíssima tocada ao piano e que nos transmite uma grande calma e tranquilidade.
Stephen Malinovsky transpô-la para um suporte visual, no qual as notas da música correspodem a uma cor, como se tratasse de uma pauta musical.
O próprio fundo do suporte em negro sugere-nos uma noite escura com a lua a ilumina-la.
É simplesmente linda...

sábado, abril 15, 2006

E.M. de Melo e Castro, O Caminho do Leve (2006)


Na visita à exposição retrospectiva de Melo e Castro devem ser objecto de observação atenta pelo menos os seguintes aspectos: 1º) a relação entre a obra e o meio; 2º) a multiplicidade de meios; 3º) a natureza inter-media de muitas das suas obras; 4º) a utilização de meios digitais.

Transcrevo uma nota que escrevi em 93 sobre o autor:

E. M. DE MELO E CASTRO [Portugal] (1932-) foi um dos iniciadores do movimento de poesia concreta em Portugal, com o livro Ideogramas (1962). Não apenas com a sua prática poética, mas também com a sua teorização, ambas preocupadas em seguir as múltiplas vias da experimentação sistemática com a linguagem, tornou o experimentalismo uma das manifestações mais importantes da poesia portuguesa das últimas três décadas. Entre as suas obras de poesia contam-se: Queda Livre (1961), Mudo Mudando (1962), Objecto Poemático de Efeito Progressivo (1962), Poligonia do Soneto (1963), Versus-in-Versus (1965), Álea e Vazio (1971), Visão/Vision (1972), Concepto Incerto (1975), Resistência das Palavras (1975), Cara lh amas (1975), As Palavras Só-Lidas (1979), Re-Camões (1980) e Corpos Radiantes (1982). Aquelas obras estão parcialmente incluídas nas antologias Ciclo Queda Livre (1973), Círculos Afins (1977) e Autologia (Poemas Escolhidos 1951-1982) (1983). Algumas das suas obras de ensaio são: A Proposiçaõ 2.01 (1965), O Próprio Poético (1973), Dialéctica das Vanguardas (1976), Po.Ex — Textos Teóricos e Documentos da Poesia Experimental Portuguesa (com Ana Hatherly; 1981), Literatura Portuguesa de Invenção (1984), Projecto: Poesia (1984) e Poética dos Meios (1986). É também autor de várias antologias, entre as quais: Antologia da Poesia Concreta em Portugal (com José Alberto Marques; 1973), Contemporary Portuguese Poetry (com Helder Macedo; 1978) e Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 (com Maria Alberta Menéres; 1979). Diversas exposições individuais, entre as quais: "Poemas Cinéticos" (Lisboa, 1965), "Concepto Incerto" (Lisboa, 1974) e "Delfos 2020" (Coimbra, 1980). Participação em diversas exposições colectivas: "Visopoemas" (Lisboa, 1965), "Poesia Visiva" (Roma, 1974), "Po.Ex 80" (Lisboa, 1980), "Poemografias" (Lisboa, 1985), "1º Festival Internacional de Poesia Viva" (Figueira da Foz, 1987), etc.

Nos últimos anos realizou várias obras no campo da videopoesia, encontrando na animação de imagem por computador um novo campo de experimentação poética. As suas animações transformam em movimento aquilo que em poemas visuais sobre papel é apenas sugestão estática de movimento, tirando partido não só do movimento das letras e das palavras, mas também da semântica das formas, das cores e da música. Os seus videopoemas constituem, no tema e na forma, uma síntese da consciência auto-reflexiva da ciência e da arte contemporâneas — uma síntese que é central em toda a sua obra. Videografia: Roda Lume (1969, 2 min. 43 s., reconstituido em 1986), Signagens (1985-89, 1h 30 min., inclui os seguintes videopoemas: "As Fontes do Texto", "Sete Setas", "Sede Fuga", "Rede Teia Labirinto", "Vibrações", "Um Furo no Universo"; "Come Fome"; "Hipnotismo"; "Ponto Sinal, Polígono Pessoal"; "O Soneto, Oh Poética dos Meios"; "Concretas Abstracções"; "Objectotem"; "Escrita da Memória"; "Infografitos"; "Ideovídeo"; "Diazulando"; "Metade de Nada" e "Vibrações Digitais de um Protocubo, Do Outro Lado"), Vogais as Cores Radiantes (1986, 3 min. 10 s.) e Sonhos de Geometria (1993, 30 min., música original de TELECTU), que será apresentado em ante-estreia no decurso da exposição "Wor(l)d Poem/ Poema Mu(n)do".

«Sonhos de Geometria (realizado expressamente para a revista Menu, de Cuenca) é uma meditação visual sobre a transformação do espaço e das formas desenvolvida em cinco andamentos. No primeiro faz-se uma evocação de figuras rupestres enigmáticas com referência à importância dos contrastes entre a escuridão e a luz na produção dessas mesmas figuras. No segundo — "O Sonho de Pitágoras" — assistimos ao nascimento da série numérica e da TETRAKTIS como forma simbólica de todas as relações numéricas. Daí chegar-se-á à descoberta do famoso Teorema. No "Sonho de Euclides" a geometria plana aspira às três dimensões com o ritmo alternante das figuras e com o traçado rigoroso de projecções e de curvas. No quarto sonho, o de Mandelbrot, detectam-se as origens naturais da invenção da geometria fractal a partir de nuvens e árvores em iterações sucessivas e em alternância com a forma do atractor que é o resultado desta investigação. Finalmente o meu próprio sonho é o da leitura e o da releitura. As imagens são citações da minha própria poesia concreta dos anos 60 e do meu primeiro videopoema, Roda Lume de 1969. Mas todo o conjunto é um exercício de releitura através dos meios específicos de produção e organização de imagem que são o computador e o vídeo.» E. M. de Melo e Castro, 1993.

in Manuel Portela, org., Wor(l)d Poem/ Poema Mu(n)do, Figueira da Foz: Museu Dr Santos Rocha, 1993, pp. 76-78.

sexta-feira, abril 14, 2006

Conseguimos imaginar máquinas que escrevam? (2)



Italo Calvino, no texto "Cibernética e fantasmas" (1967), responde, de certo modo, afirmativamente. Depois de passar em revista a literatura que recorria a processos combinatórios explícitos, Calvino refere que o interesse não estava tanto na construção de um computador capaz da criação literária, mas antes nas conjecturas que daí advinham. A resposta de Calvino inverte o problema, deslocando a atenção para a natureza do processo literário: o/a escritor/a já seria um autómato literário. Mesmos os alegados atributos psicológicos do eu poderiam ser formalizados como decorrendo das regras da escrita. O jogo entre os elementos combinatórios da escrita e o inconsciente, daí resultante, daria origem ao dispositivo labiríntico que o/a leitor/a interpreta como literatura. Trata-se portanto de reconhecer o/a autor/a como produto algorítmico das combinações da escrita e não como sujeito empírico que se transpõe para o papel. Calvino escreve, por exemplo, isto:

«O eu do autor ao escrever dissolve-se: a chamada "personalidade" do escritor é interna ao acto de escrever, é um produto e um modo de escrita. Também uma máquina escrevente, em que tenha sido inserida uma instrução a condizer, poderá elaborar na página uma "personalidade" de escritor destacada e inconfundível, ou então poderá ser regulada de modo a evoluir ou a transformar "personalidades" por cada obra que compõe. O escritor, tal como tem sido até agora, já é máquina escrevente, ou seja, é-o quando funciona bem [...]»

Se o/a escritor/a é uma máquina que escreve, o que acontece quando se escreve com máquinas que escrevem? Os vários exemplos referidos por Jorge Luiz Antonio na sexta-feira passada dão uma resposta histórica a esta questão, mostrando diversos géneros de poesia electrónica e digital. Vejam-se exemplos na exposição de poesia visual e electrónica International Exhibition of Visual and Electronic Poetry (Novembro de 2005, organizada por Jorge Luiz Antonio, Hugo Pontes e Roberto Keppler, em Itu, Estado de São Paulo, Brasil).

escritas sobrepostas

Os acrílicos de Bartolomé Ferrando são compostos por palavras sobrepostas, formando diferentes padrões sobre um fundo de cor. Aos leitores é-lhes pedido que destrincem as letras e as palavras, isto é, que des-sobreponham as escritas. Com este exercício, as "escrituras superpuestas" dirigem imediatamente a atenção para o acto de ler nas suas múltiplas ressonâncias: ler como decifração de traços, ler como reconhecimento de signos, ler como vocalização de uma notação gráfica (interpretação vocal), ler como interpretação (interpretação semântica). A extraordinária complexidade da escrita torna-se assim o tema desta série de obras. O que tem a escrita de particular? É apenas um código de segunda ordem, isto é, que representa o código linguístico (neste caso, de um modo alfabético)? Que outras possibilidades de sentido contém a escrita? Sendo também uma forma de notação fonética (que nos diz como criar pausas e associações entre os signos, como criar ênfases, como tornar o ritmo mais lento ou mais rápido), que papel cabe ao intérprete? Como é que este encontra o seu lugar na notação que a escrita constitui?

Vejamos os dois pequenos palimpsestos escolhidos: "o som incrustado em si mesmo alberga absorto o seu próprio nascimento" e "escreve e caminha sobre a sua própria página oca escrita voz". Como todas as figuras da série, também estas são auto-referenciais, isto é, contêm antes de mais uma descrição de si mesmas. O "incrustado em si mesmo" e a "sua própria página" remetem para a sua própria disposição na página. Num caso, o texto visual parece dizer alguma coisa sobre a escrita como notação para o som. Noutro caso, o texto visual parece sugerir a escrita como qualquer coisa que excede a voz ou que é voz por si mesma. Esta tensão entre representar outra coisa (o som) e ser (o traço da escrita) parece constituir o cerne deste conjunto de obras. Por outro lado, podemos ver aqui um exemplo consumado de arte inter-media, isto é, de uma prática artística em que a dimensão literária e a dimensão pictórica não são separáveis.

quinta-feira, abril 13, 2006

Conferência sobre Poesia Electrónica no Brasil

Digna de nota - parece-me - a conferência sobre Poesia Electrónica no Brasil que decorreu no passado dia 7 na Faculdade de Letras.
Jorge Luiz António apresentou-nos a sua tese sobre o assunto, acrescentando inúmeros autores e formas de digitalizar a poesia às que já vinhamos conhecendo. Uma breve história do desenvolvimento da Poesia Digital no Brasil.
Organizando cronologicamente os acontecimentos, percorreu nomes como Albertus Marques, Alckmar Luiz dos Santos, Gilberto Prado, Elson Fróes, Augusto de Campos, André Vallias, Philadelpho Menezes, Avelino de Araújo, Wilton Azevedo e Álvaro Andrade Garcia; conceitos como poesia algorítmica, soneto ecológico, interpoesia e novas formas de poesia electrónica tais como o formato .gif, o CD-Rom, a imagem flash ou o Microsoft PowerPoint.
Destaco, ainda, o website www.ciberpoesia.com.br que nos foi dado a conhecer, por conter poemas especialmente dedicados às crianças. É uma forma de estimular as gerações futuras a conhecer e explorar as potencialidades do que já é o futuro da poesia.

quarta-feira, abril 12, 2006

Conseguimos imaginar máquinas que escrevam? (1)



A máquina de escrever, inventada na segunda metade do século XIX, é a primeira tentativa bem sucedida de colocar a letra de imprensa nas mãos do/a escritor/a. A dactilografia é, de certo modo, uma precursora do processador de texto. O dedo e a letra de imprensa passam a estar directamente ligados através do interface do teclado. Esta mediação susbtitui progressivamente a relação caligráfica com a escrita. A máquina de escrever introduz portanto mais um nível de mediação entre o/a escritor/a e o papel. Os efeitos desta tecnologia sobre a criação literária são visíveis na poesia e na ficção modernistas, já que a utilização do espaço da página adopta certas propriedades dactiloscritas. A máquina de escrever ainda não escreve sozinha, mas escreve-se com ela. Ou seja, uma vez adoptada como instrumento de composição, este dispositivo mecânico gera um conjunto de novas propriedades da escrita. Os programas de processamento de texto e os motores textuais actuais redefinem o espaço de escrita e alargam o campo semântico da expressão "máquina de escrever", introduzindo novas propriedades nesse espaço.

Bartolomé Ferrando, escritura superpuesta (2001)

Bartolomé Ferrando, escritura superpuesta (2001)

quarta-feira, abril 05, 2006

Clueless to where we live...

SHAPE
MUNDO
WORLD
TECTO
FORMA

Tocar com cores

Stephen Malinowsky consegue uma transposição fantástica do tema "Clair de Lune" de Claude Debussy para um suporte visual. A aparente confusão de barras coloridas tem a sua ordem e tem a sua razão de ser.
Quem tem alguns conhecimentos musicais mínimos consegue facilmente reconhecer nas barras em fundo preto uma pauta; provavelmente não terá problemas em admitir as barras como notas; deverá também reconhecer no comprimento das barras a duração das notas; não negará que o posicionamento das barras representam a altura das notas.
E porque mudam de cor as barras? Porque com o avançar da melodia a pauta transforma-se num piano e as barras transformam-se em teclas. E as teclas, como um piano à luz da lua, mudam de tonalidade quando premidas, como se a luz da lua não as iluminasse...
Tocando piano com as cores, Stephen Malinowsky transforma uma peça de piano de Debussy numa obra visual...

sábado, abril 01, 2006

Literatura + Matemática = Literatura Potencial

Foi com a fundação do grupo OULIPO (OUvroir de LIttérature POtentielle) em Paris, 1960, que se desenvolveu o conceito da união entre a literatura e a matemática, temáticas aparentemente inconciliáveis.
Já era antes conhecida a existência de padrões métricos na literatura, restava haver quem ousasse "jogar" com isso. Foi esse mesmo o papel desempenhado pelo OULIPO.
São vários os caminhos possíveis, seja a utilização de estruturas existentes nos textos, a aplicação de restrições criadas pelos autores, os exercícios de estilo ou a literatura combinatória - todos estes exercícios vêm inovar a criação da literatura.
O resultado, esse, é um novo conceito de criação literária, a repetição, tradução, substituição ou imitação de palavras ou expressões que vem criar um conjunto de textos originais e inovadores.
Deixa, inclusivé, a dúvida - poderá a criação literária, num futuro cada vez mais próximo, vir a ser da responsabilidade das máquinas, relegando o ser humano para um papel secundário?