E.M. de Melo e Castro, O Caminho do Leve (2006)
Na visita à exposição retrospectiva de Melo e Castro devem ser objecto de observação atenta pelo menos os seguintes aspectos: 1º) a relação entre a obra e o meio; 2º) a multiplicidade de meios; 3º) a natureza inter-media de muitas das suas obras; 4º) a utilização de meios digitais.
Transcrevo uma nota que escrevi em 93 sobre o autor:
E. M. DE MELO E CASTRO [Portugal] (1932-) foi um dos iniciadores do movimento de poesia concreta em Portugal, com o livro Ideogramas (1962). Não apenas com a sua prática poética, mas também com a sua teorização, ambas preocupadas em seguir as múltiplas vias da experimentação sistemática com a linguagem, tornou o experimentalismo uma das manifestações mais importantes da poesia portuguesa das últimas três décadas. Entre as suas obras de poesia contam-se: Queda Livre (1961), Mudo Mudando (1962), Objecto Poemático de Efeito Progressivo (1962), Poligonia do Soneto (1963), Versus-in-Versus (1965), Álea e Vazio (1971), Visão/Vision (1972), Concepto Incerto (1975), Resistência das Palavras (1975), Cara lh amas (1975), As Palavras Só-Lidas (1979), Re-Camões (1980) e Corpos Radiantes (1982). Aquelas obras estão parcialmente incluídas nas antologias Ciclo Queda Livre (1973), Círculos Afins (1977) e Autologia (Poemas Escolhidos 1951-1982) (1983). Algumas das suas obras de ensaio são: A Proposiçaõ 2.01 (1965), O Próprio Poético (1973), Dialéctica das Vanguardas (1976), Po.Ex — Textos Teóricos e Documentos da Poesia Experimental Portuguesa (com Ana Hatherly; 1981), Literatura Portuguesa de Invenção (1984), Projecto: Poesia (1984) e Poética dos Meios (1986). É também autor de várias antologias, entre as quais: Antologia da Poesia Concreta em Portugal (com José Alberto Marques; 1973), Contemporary Portuguese Poetry (com Helder Macedo; 1978) e Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977 (com Maria Alberta Menéres; 1979). Diversas exposições individuais, entre as quais: "Poemas Cinéticos" (Lisboa, 1965), "Concepto Incerto" (Lisboa, 1974) e "Delfos 2020" (Coimbra, 1980). Participação em diversas exposições colectivas: "Visopoemas" (Lisboa, 1965), "Poesia Visiva" (Roma, 1974), "Po.Ex 80" (Lisboa, 1980), "Poemografias" (Lisboa, 1985), "1º Festival Internacional de Poesia Viva" (Figueira da Foz, 1987), etc.
Nos últimos anos realizou várias obras no campo da videopoesia, encontrando na animação de imagem por computador um novo campo de experimentação poética. As suas animações transformam em movimento aquilo que em poemas visuais sobre papel é apenas sugestão estática de movimento, tirando partido não só do movimento das letras e das palavras, mas também da semântica das formas, das cores e da música. Os seus videopoemas constituem, no tema e na forma, uma síntese da consciência auto-reflexiva da ciência e da arte contemporâneas — uma síntese que é central em toda a sua obra. Videografia: Roda Lume (1969, 2 min. 43 s., reconstituido em 1986), Signagens (1985-89, 1h 30 min., inclui os seguintes videopoemas: "As Fontes do Texto", "Sete Setas", "Sede Fuga", "Rede Teia Labirinto", "Vibrações", "Um Furo no Universo"; "Come Fome"; "Hipnotismo"; "Ponto Sinal, Polígono Pessoal"; "O Soneto, Oh Poética dos Meios"; "Concretas Abstracções"; "Objectotem"; "Escrita da Memória"; "Infografitos"; "Ideovídeo"; "Diazulando"; "Metade de Nada" e "Vibrações Digitais de um Protocubo, Do Outro Lado"), Vogais as Cores Radiantes (1986, 3 min. 10 s.) e Sonhos de Geometria (1993, 30 min., música original de TELECTU), que será apresentado em ante-estreia no decurso da exposição "Wor(l)d Poem/ Poema Mu(n)do".
«Sonhos de Geometria (realizado expressamente para a revista Menu, de Cuenca) é uma meditação visual sobre a transformação do espaço e das formas desenvolvida em cinco andamentos. No primeiro faz-se uma evocação de figuras rupestres enigmáticas com referência à importância dos contrastes entre a escuridão e a luz na produção dessas mesmas figuras. No segundo — "O Sonho de Pitágoras" — assistimos ao nascimento da série numérica e da TETRAKTIS como forma simbólica de todas as relações numéricas. Daí chegar-se-á à descoberta do famoso Teorema. No "Sonho de Euclides" a geometria plana aspira às três dimensões com o ritmo alternante das figuras e com o traçado rigoroso de projecções e de curvas. No quarto sonho, o de Mandelbrot, detectam-se as origens naturais da invenção da geometria fractal a partir de nuvens e árvores em iterações sucessivas e em alternância com a forma do atractor que é o resultado desta investigação. Finalmente o meu próprio sonho é o da leitura e o da releitura. As imagens são citações da minha própria poesia concreta dos anos 60 e do meu primeiro videopoema, Roda Lume de 1969. Mas todo o conjunto é um exercício de releitura através dos meios específicos de produção e organização de imagem que são o computador e o vídeo.» E. M. de Melo e Castro, 1993.
in Manuel Portela, org., Wor(l)d Poem/ Poema Mu(n)do, Figueira da Foz: Museu Dr Santos Rocha, 1993, pp. 76-78.