quinta-feira, fevereiro 22, 2007

O dicionário de Uribe - as letras vão ao circo

A primeira análise que o trabalho de Ana Maria Uribe me suscitou, foi uma perspectiva histórica, de natural desenvolvimento da comunicação escrita. Cada época e cada forma de texto particular (inicialmente religiosa, poética e dramática) detêm determinadas características gráficas e figurativas, que se perderam sobretudo no período de hegemonia do romance – muitas vezes confundido com literatura – e com os burocráticos tratados universitários.
Se muita da literatura contemporânea ignorava, em geral, estes aspectos, não nos esqueçamos da escrita anterior ao códice: a aliteração na poesia clássica, quer egípcia, quer grega e romana, que usou a fonética e uma multidão de diálogos com o sub-texto; a mistura de altos-relevos, pinturas, ilustração para livros, iluminuras na Idade Média – por exemplo o uso de letras em grande e destacado para iniciar um texto para o épico, ou o pequenino e trabalhado para o lírico; e na escrita religiosa, o código do sagrado – a simbologia – nos textos antigos, no Corão, nos escritos judaicos, carregados de poder mágico da letra, capaz de por si só evocar. Existem várias formas caleidoscópicas e complexas de escrever um texto.
Na década de vinte, generalizam-se exemplos de poesia do tipo gráfico, como
L
...Le n
... ... Ta
... ... ... ... M en
... ... ... ... ... ... T e ...
um exemplo básico, mas que expressa algo que hoje nos é muito familiar.
Se a imaginação é o essencial, a tecnologia abre-lhe muitas portas, nomeadamente, falando nós da era digital e das repercussões que esta teve e tem na comunicação discursiva – som e movimento. Aquilo que a evolução para o códice esqueceu, é-nos devolvido e desenvolvido na sua próxima etapa evolutiva – a edição digital. De tal é exemplo o “Anipoema” [Ani(mação)poema] de Ana Maria Uribe, onde o conteúdo é explícito (tive agora alguém a quem mostrei um “anipoema” e sem nada mais me disse “é um trapézio”). Foi na forma com que Uribe se preocupou, mostrando-nos que não só as palavras não são apenas palavras, como as letras podem não ser apenas letras! Associando-as ao som e movimento, algo que só a tecnologia digital lhe permite, e à cor, conseguiu representar um circo inteiro não sem poucas, mas sem nenhuma palavra. E por escrito.
Um exemplo curto, mas sucinto. Curto pois o potencial criativo desta tecnologia está aquém quando pensamos o que fariam os dadaístas se a ela tivessem acesso. Temos outros exemplos de interacção, de combinações infinitas de sentido: na música, sobretudo electrónica, que une todos os sons que o artista desejar, na pintura e escultura, com a utilização de todo o tipo de materiais, incluindo perecíveis, e mesmo no teatro, com os Happenings norte-americanos.
Sente-se a necessidade de os nossos actuais escritores puxarem um pouco mais pela imaginação e navegarem, mergulharem em profundidade, nos recursos a que actualmente têm acesso.