Amor de Clarice Lispector
"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..." (Clarice Lispector)
O objectivo de Clarice, nas suas obras, é o de atingir os campos mais profundos da mente das personagens para assim sondar complexos mecanismos psicológicos. È essa procura que determina as características especificas do seu estilo.
Este texto, “Amor”, mostra a relação instável que a mulher brasileira mantém para com as exigências da sociedade patriacal a que está subjugada. Mostra que a rotina e a estabilidade emocional, que estão na base da identidade feminina, são uma máscara que prende a mulher a um quotidiano impregnado de simbologias masculinas.
A personagem principal, Ana, é mãe, esposa, mulher. Dona-de-casa que vive para agradar aos outros, cuidando dos filhos, da lida da casa, das compras…, esquecendo-se por completo de si mesma. Desenraizada do mundo estável em que vive, tem uma revelação quando, ao vir das suas compras habituais e sentada num autocarro, “olhou para o homem parado no ponto (…) era um cego”. Ana fica num estado de intranquilidade e inquietação. Depois, de reflexão e revitalização. Algo em Ana mudara…
Esta obra alerta-nos de certa maneira para o nosso comportamento automatizado, em que nos habituamos de tal maneira à presença do mundo que deixamos de lhe prestar a devida atenção. Esta habituação é apenas quebrada com a arte. È esta que permite ver a beleza “natural” dos objectos e das coisas. Neste sentido, a arte existe para contradizer a tendência automatizadora do ser humano: “it exists to make one feel things, to make the stone stony. The purpose of art is to impart the sensation of things as they are perceived and not as they are known” (Shklovsky).