quarta-feira, fevereiro 21, 2007

"Los Animales" de Ana Maria Uribe

O meio digital da internet é um meio de comunicação sobrecarregado de ruído: temos a profusão de publicidade indesejada, os pop-ups, e os próprios hábitos socializados de navegação. Estes fazem da navegação na internet uma actividade habitualmente feita com uma atenção repartilhada entre vários assuntos ou acontecimentos internáuticos e também com tudo o que acontece do lado de cá do ecran. Como era da superabundância da informação, e também da imagem, um dos resultados palpáveis é uma saturação do campo semântico.

No (ani)poema de Ana Maria Uribe «El circo: anipoema por entregas», e centrando-me na "entrega" «Los Animales», é patente essa saturação e o seu aproveitamento criativo. As letras que dançam não podem deixar de ser interpretadas como letras portadoras de um sentido. O nosso cérebro não permite esse distanciamento devido ao longo treino que temos de associar à representação gramatical uma imagem mental ou um conceito. Assim o texto de Uribe gera uma confusão semiótica entre o sentido lexical das letras e todas as conotações que são introduzidas ao deformá-las e atribuir-lhes um valor estético. As letras são como que antropomorfizadas (neste caso, moldadas à imagem não do homem mas do animal): a sua distorção vai evocar membros ou outras partes do corpo como o pescoço ou a cabeça. A utilização das cores e o movimento vão fazer evocações sensoriais que são complementadas pelo som e que dotam o texto de um prazer humorístico que reside na interpolação dos diversos níveis de discurso.

Como exemplo de literatura digital, parece-me ser um texto que joga com a saturação de símbolos a todos os níveis do sensorial de que falava no princípio e que é característica da revolução comunicativa que caracteriza a era da informação, hiperbolizando-a ao nível da caricatura. Trata-se de uma amplificação lúdica como era o uso medieval do grotesco pelos jograis e saltimbancos. Daí que a imagem geral das "entregas" seja o circo, havendo um sentido de troça nas relações entre o que é e o que devia ser, o normal e o anómalo. Esta penso ser uma das leituras possíveis.