lepidópteros e entomologistas: o voo da câmara
A câmara está para o insecto como a rede para a câmara. A Samsung Camcorder introduz a confusão ontológica entre objecto e representação. A caçadora da borboleta torna-se na caçadora da imagem da borboleta, ela própria duplo da representação da borboleta no écran de visualização da câmara. Para o leitor do anúncio, a figura feminina é uma borboleta em segundo grau. Neste caso é a metáfora a máquina que produz esta segunda imagem da borboleta: a borboleta replicada na figura da mulher. A posição da imagem da mulher imita, estruturalmente, a posição e a anatomia da imagem da borboleta. A cabeça destaca-se do corpo humano de forma semelhante à da cabeça do corpo do insecto. Os dois pares de asas têm equivalente nos dois braços e no balão do vestido. A orientação relativa dos corpos faz-se por paralelismo e projecção homotética. A figura feminina é assim imagem da borboleta que a câmara capta, do mesmo modo que esta seria imagem da borboleta real algures no campo de visão da câmara, mas fora da imagem. O facto de a câmara apontar para a frente, para o plano externo ao plano da folha de papel em que a imagem está impressa, acentua o efeito de real de toda a composição. É como se a borboleta estivesse algures no espaço tridimensional onde está o leitor que segura a folha de papel na mão. Capturar o mundo deste modo significa criar a ilusão de que o meio e o real não se distinguem. De que a transparência da representação permite substituir a borboleta pela imagem da borboleta. A caçadora foi enganada. Mas o leitor talvez não: a rede está prestes afinal a apanhar o meio, o medium. Câmara digital: tecnoborboleta que voa sobre o mundo.