quarta-feira, março 29, 2006

A Intertextualidade da Rã de Bashô

A poesia, que agora tende a migrar dos livros para o universo electrónico-digital, adaptando-se ao/ampliando-se neste novo meio, não deixa de conservar qualquer coisa que lembra a poesia verbal, visual, ou sonora existentes. Ou seja, a intertextualidade - que significa interacção entre textos, diálogo entre eles – surge rearticulada no hipertexto. Senão, vejamos o seguinte exemplo:














O velho tanque -
Uma rã mergulha,
barulho de água.¹

Este é um dos poemas mais conhecidos de Bashô Matsuo (1644–1694), considerado o primeiro e maior poeta japonês de haiku. Basicamente, o haiku é uma forma poética que, quanto à forma, tem três versos curtos (sem rima) de respectivamente 5, 7 e 5 sílabas métricas japonesas e, quanto ao conteúdo, expressa uma percepção da natureza. Ao lermos o poema «Rã de Bashô» de Augusto de Campos, incluído no seu trabalho, curiosamente chamado de Intraduções, somos remetidos rapidamente para o haiku acima transcrito.

rã de bashô ²













Mesmo que não se consiga fazer mais nenhum outro tipo de analogia entre os dois textos, é incontornável o facto de o título da composição de Augusto Campos ser, não só autoreferencial – porque apresenta a palavra rã, que depois parece “mergulhar” no piscar feito pelos versos – mas também referêncial, ao incluir o nome do poeta Bashô Matsuo.
Podemos então dizer que, em conjunto com a tendência para a autoreferencialidade, o hipertexto também se constrói absorvendo e transformando outros textos, pois tal como nos recorda Julia Kristeva: “tout text est absorption et transformation d’un autre text”³.

¹Traduzido por Paulo Franchetti e disponível em http://www.prof2000.pt/users/secjeste/mmanuelr/hbasho.htm
² Disponível em http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poemas.htm
³Kristeva, J., Sèméiotikè: recherches pour une sémanalyse, Paris: Seuil, 1969